Há tanto tempo que eu não escrevo um verso
meu pai e meu irmão
com palavras tuas me ensinaram
desde o berço
o nome da liberdade e o do pão
o nome da fome do fogo e o do vento
assim começou a minha história
fui a carne da tua memória
e da tua lição
por ti
grandes e pequenos escravos e
senhores
máscaras do rosto comum de
toda a gente
rimavam
com os sinais interiores
que na minha mente
acordavam
a luz do sol a cor da água o lume das flores
por ti
morena ao sol de Abril
sangrou uma flor na pedra do meu punho
em teu nome se fizeram minhas
as tuas chagas impressas
(eram a liberdade e o seu testemunho
que ateavam a centelha
da igualdade vermelha
do sangue vasculado de promessas)
há tanto tempo que eu não escrevo um verso
meu pai e meu irmão
a liberdade já não está onde estão
as flores
onde estão os pobres
onde está o vento
madrugada de um momento
sonho escrito e apagado
neste tempo quadrado
a fraternidade da tua
lição
morreu dentro dos homens
sua única vontade
sua última prisão.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
(dedicado a São Francisco de Assis)
terça-feira, 30 de junho de 2009
sábado, 27 de junho de 2009
NATAL - CONTO
NATAL
- Amanhã, há comédias - disse a Mãe velhinha para o irmão de Floriano, que vivia longe e viera consoar com a família. Amanhã há comédias e tu tens de ficar.
- Vamos ver, disse o filho recém-chegado.
As comédias que, no dia seguinte, teriam lugar na Freiria - Jou, na garagem do Floriano, eram uma peça de teatro que o P.Maldonado ensaiara, que metia vinte e uma figuras, e cujo lance dramático exemplar consistia em o Celso de Mascanho puxar presumivelmente de uma pistola para o ladrão do Palhinhas - e encontrar no bolso, em vez do "ferro", um rosário de pau. O que era um milagre da Senhora do Rosário. Estas comédias já tinham corrido outros "povos" de Jou e, nas costas do padre, rosnava-se que os actores diziam todas as vezes a mesma coisa.
- Uns impostores.
Estava-se, pois, em noite de consoada e havia já umas duas ou três horas que Marília servira um prato especial ao maluquinho do Alcino de Toubres, que enlouquecera por umas questões de águas e andava fugido da família, - prato que Alcino comeu sentado nas escaleiras da varanda, com sobriedade, pois naquela noite estava muito escorreito e correcto. (...)
do livro -Modo de Vida - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
quinta-feira, 25 de junho de 2009
PRÉMIOS DE POESIA
À memória de Fernão de Magalhães Gonçalves está instituído um Prémio Nacional de Poesia.
Premiados:
2007 - António Cabral
2008 - Cláudio Lima
2009 - Joaquim de Barros Ferreira
2010 - António Fortuna
O amor é o alimento celestial para alcançar a sabedoria divina, abraçar a Terra, ascender às Estrelas, revelar a entrada para o Templo do "eu" interior.
Amamos as Pessoas, a Obra que realizam ou ambas.
A semente está lançada, aguardamos o fruto amadurecido pelo sol e pelo sonho.
(...) Enquanto os teólogos debatem verdades religiosas, grandes filósofos procuram conhecimento e certeza.
Nós continuamos na margem do nosso conhecimento, preservando esta valiosíssima herança cultural e procuramos incessantemente a Arca da Aliança.
do livro "Três Rios Abraçam o Coração", de Manuela Morais
Premiados:
2007 - António Cabral
2008 - Cláudio Lima
2009 - Joaquim de Barros Ferreira
2010 - António Fortuna
O amor é o alimento celestial para alcançar a sabedoria divina, abraçar a Terra, ascender às Estrelas, revelar a entrada para o Templo do "eu" interior.
Amamos as Pessoas, a Obra que realizam ou ambas.
A semente está lançada, aguardamos o fruto amadurecido pelo sol e pelo sonho.
(...) Enquanto os teólogos debatem verdades religiosas, grandes filósofos procuram conhecimento e certeza.
Nós continuamos na margem do nosso conhecimento, preservando esta valiosíssima herança cultural e procuramos incessantemente a Arca da Aliança.
do livro "Três Rios Abraçam o Coração", de Manuela Morais
segunda-feira, 22 de junho de 2009
SONHO ACORDADO
(...) Entrei no restaurante apressadamente e ávido por devorar uma abastada refeição.
Elegi uma mesa arredada do grande bulício comum nas horas de almoço, pois queria aproveitar os poucos minutos de que dispunha naquele dia atribulado, para almoçar e consertar alguns "bugs" de programação de um sistema que estava a desenvolver, além de planear a minha viagem de férias que há muito tempo estava a dever a mim mesmo.
- Bom dia, Sr.Alfredo! - saudou-me o empregado de mesa.
- Viva Ricardo.
- Já escolheu o prato para hoje?
- Sim. Pode ser uma feijoada à transmontana.
- E para baber?
- O costume.
Ricardo era um jovem que irradiava alegria e simpatia. Acabara de ser pai e a sua Joaninha era a menina dos seus olhos.
Enquanto abria o meu bloco de notas, assustei-me com uma voz que, suplicante, sussurrou baixinho atrás de mim: (...)
Sonho Acordado - AMÉRICO LISBOA AZEVEDO
Capa - ESPIGA PINTO
Elegi uma mesa arredada do grande bulício comum nas horas de almoço, pois queria aproveitar os poucos minutos de que dispunha naquele dia atribulado, para almoçar e consertar alguns "bugs" de programação de um sistema que estava a desenvolver, além de planear a minha viagem de férias que há muito tempo estava a dever a mim mesmo.
- Bom dia, Sr.Alfredo! - saudou-me o empregado de mesa.
- Viva Ricardo.
- Já escolheu o prato para hoje?
- Sim. Pode ser uma feijoada à transmontana.
- E para baber?
- O costume.
Ricardo era um jovem que irradiava alegria e simpatia. Acabara de ser pai e a sua Joaninha era a menina dos seus olhos.
Enquanto abria o meu bloco de notas, assustei-me com uma voz que, suplicante, sussurrou baixinho atrás de mim: (...)
Sonho Acordado - AMÉRICO LISBOA AZEVEDO
Capa - ESPIGA PINTO
OS DEUSES
Os deuses movem-se devagar nas suas peanhas de calcário
têm cruzadas as pernas e os dois braços
como filhos acabados de parir
sobre altares redondos e secretos
os deuses movem-se devagar com gestos insondáveis
fundidos no seu bronze
e guardam nas duras rugas cinzeladas
a asfixia removida das nossas preces de areia
escrevem nas fragas e nas nuvens o fogo das suas vontades
os deuses movem-se devagar atrás do tempo dos
desejos velozes e dos frutos
têm nos redondos olhos salientes
o alarme pontual da nossa morte
os deuses
têm o ventre cheio do barro do
nosso esquecimento.
Poema - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
Desenho - ESPIGA PINTO
têm cruzadas as pernas e os dois braços
como filhos acabados de parir
sobre altares redondos e secretos
os deuses movem-se devagar com gestos insondáveis
fundidos no seu bronze
e guardam nas duras rugas cinzeladas
a asfixia removida das nossas preces de areia
escrevem nas fragas e nas nuvens o fogo das suas vontades
os deuses movem-se devagar atrás do tempo dos
desejos velozes e dos frutos
têm nos redondos olhos salientes
o alarme pontual da nossa morte
os deuses
têm o ventre cheio do barro do
nosso esquecimento.
Poema - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
Desenho - ESPIGA PINTO
MODO DE VIDA
E, no dia quatro de Agosto daquele ano, dois guardas desmontaram de duas bicicletas e apresentaram-se na taberna de Urbano mostrando-lhe um mandato de captura passado para Alfredo Augusto, filho de pai incógnito e de Maria da Silva, natural da freguesia de Santo André de Jou onde nascera havia 40 anos, e evadido da cadeia de Lamego em circunstâncias criminosas.
_ Quer-se dizer, disse o Cabo da Guarda acomodando as espingardas na parte interior do balcão, o gajo deitou fogo à cadeia, pôs-se em fuga...
_ E vocês, sem mais diligências, vêm procurá-lo aqui como se Jou encurralasse todos os criminosos do concelho, - concluiu o taberneiro, enrolando as mãos nas duas pontas da fita métrica suspensa do pescoço. E acrescentou: o Alfredo era um batedor do mundo.
_ Ordens, disse o outro guarda, respirando fundo, desapertando o cinto, desabotoando-se e limpando o suor da testa a um enorme lenço tabaqueiro.(...)
Modo de Vida - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
À sua memória está instituído um Prémio de Poesia
AMAR!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
Poema - FLORBELA ESPANCA
Desenho - ESPIGA PINTO
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
Poema - FLORBELA ESPANCA
Desenho - ESPIGA PINTO
história de uma rosa
deu à luz da manhã toda a sua cor e perfeição
floriu a rosa e
não foi ver ao espelho
sua forma de boca sua cor de fogo
vago desejo de forma o seu perfume depois
cobriu o sulco de cada pétala morta
abandonada ao vento
manchados da sua cor dedos se devoravam
estilhaçando os olhos que a choravam
gestos de a colher se dispersavam
e nos lábios palavras se matavam
a rosa estiolou e morreu
a harmonia do jardim passou além
em seu espaço inútil
suas pétalas secas e seu tempo perdido
que nenhuma memória contemplava.
Poema - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
Desenho - ESPIGA PINTO
floriu a rosa e
não foi ver ao espelho
sua forma de boca sua cor de fogo
vago desejo de forma o seu perfume depois
cobriu o sulco de cada pétala morta
abandonada ao vento
manchados da sua cor dedos se devoravam
estilhaçando os olhos que a choravam
gestos de a colher se dispersavam
e nos lábios palavras se matavam
a rosa estiolou e morreu
a harmonia do jardim passou além
em seu espaço inútil
suas pétalas secas e seu tempo perdido
que nenhuma memória contemplava.
Poema - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
Desenho - ESPIGA PINTO
PARA ALÉM DO OLHAR
(...) Todos os que te conheceram e, sobretudo, os que contigo conviveram mais de perto, guardam de ti as melhores recordações. Lembro-me perfeitamente que, quando ingressaste na escola primária, já eras conhecido por quase toda a miudagem, e não tardou muito que até a professora nutrisse um carinho especial por ti.
Eras um aluno assíduo, educado e inteligente, mas mal a oportunidade surgia, lá estavas tu a fazer das tuas. Sorrateiramente, desmontavas as esferográficas, rasgavas um bocadinho de papel que transformavas numa bolinha, que introduzias em seguida numa das extremidades da caneta vazia e sopravas com força para atingir os teus colegas.
Tinha a sua graça aquele frequente esvoaçar de bolinhas de papel cruzando o espaço.
O pior foi quando uma das bolinhas, desviada da sua trajectória prevista, foi bater na cadeira da professora. A dona Rosa não achou piada e quis logo saber quem fora o engraçadinho autor da brincadeira.(...)
Para Além do Olhar - AMÉRICO LISBOA AZEVEDO
Capa - ESPIGA PINTO
STABAT MATER
Um dia (talvez um dia só) eu fui menino
era de tarde e havia sol (há sempre sol na
memória de ver-te a cada instante
vigilante aos
prodígios do meu próprio destino)
e eu joguei no Largo à minha idade
aos arcos e aos piões aos
polícias e ladrões e
à pura liberdade
e não voltei ao Largo hoje
resta a árvore bravia que me fiz
o caule que construiu a sua história
mudando a tua memória no
ar que respira e na raiz.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
era de tarde e havia sol (há sempre sol na
memória de ver-te a cada instante
vigilante aos
prodígios do meu próprio destino)
e eu joguei no Largo à minha idade
aos arcos e aos piões aos
polícias e ladrões e
à pura liberdade
e não voltei ao Largo hoje
resta a árvore bravia que me fiz
o caule que construiu a sua história
mudando a tua memória no
ar que respira e na raiz.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
Desenho de ESPIGA PINTO
e agora chove
e agora chove.
esta é a hora do teu poema. do teu nome posto sobre uma
coroa de espinhos.
a anunciação do teu ventre.
esta é a hora da fertilidade do meu cansaço. da agressão
mansa do teu seio puro. da ave diagonal da tua sombra.
esta é a hora que nunca passa. a hora undécima do teu
corpo dobrado dentro da rosa do teu nome.
é longo e fechado o caminho do nosso silêncio. está colado
às tuas palavras o meu rosto.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
esta é a hora do teu poema. do teu nome posto sobre uma
coroa de espinhos.
a anunciação do teu ventre.
esta é a hora da fertilidade do meu cansaço. da agressão
mansa do teu seio puro. da ave diagonal da tua sombra.
esta é a hora que nunca passa. a hora undécima do teu
corpo dobrado dentro da rosa do teu nome.
é longo e fechado o caminho do nosso silêncio. está colado
às tuas palavras o meu rosto.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
Desenho de ESPIGA PINTO
segunda-feira, 8 de junho de 2009
FLORBELA ESPANCA Asa no Ar Erva no Chão
(...) Florbela nasce e passa a sua infância em Vila Viçosa, vila ducal, solar dos Braganças, visitado frequentemente pelos reis. Os seus primeiros anos vive-os num ambiente político monárquico. A década de 90 foi uma época de popularização do ideal da República, pois o rei fora responsabilizado por ceder à força da Inglaterra no Ultimato.(...)
A poesia de Florbela apresenta muitas referências de tipo histórico, artístico e religioso. Neste sentido há uma direcção culturalista na sua obra poética. As referências a personagens, acontecimentos e factos funcionam, umas vezes, com valor estético, coisa normal no clima esteticista da época, e outras vezes, funcionam com valor simbólico.
Além de toda uma série de nomes comuns do mundo litúrgico-religioso como "rezar, cruz, profetas...", surgem, na poesia de Florbela, muitos noutilizados com um mes próprios deste campo semântico, valor estético ou simbólico. (...)
A poesia de Florbela apresenta muitas referências de tipo histórico, artístico e religioso. Neste sentido há uma direcção culturalista na sua obra poética. As referências a personagens, acontecimentos e factos funcionam, umas vezes, com valor estético, coisa normal no clima esteticista da época, e outras vezes, funcionam com valor simbólico.
Além de toda uma série de nomes comuns do mundo litúrgico-religioso como "rezar, cruz, profetas...", surgem, na poesia de Florbela, muitos noutilizados com um mes próprios deste campo semântico, valor estético ou simbólico. (...)
Florbela Espanca - CONCEPCIÓN DELGADO CORRAL
Capa - ESPIGA PINTO
Edição com 10 desenhos de ESPIGA PINTO
FLORA DE BRINCADEIRAS
regresso ao Paraíso. Felizmente, digo, com a certeza de que quanto mais o homem se afasta do seu meio natural menos possibilidade tem de se encontrar a si próprio como alguns pós-modernistas já perceberam, desiludidos com o optimismo da civilização industrial, embora também eles, avessos a sistemas doutrinais, tenham caído num certo desnorte, vivendo a errância intelectual, numa orfandade de valores, alguns dos quais foram porventura fácil e impensadamente configurados. Que o regresso à natureza não seja apenas uma fuga, mas uma necessidade, como as crianças nos ensinam, se lhes dermos condições para isso. (...)
O sentido estético e lúdico, aliás complementares, revelam-se bem nesta "Flora de Brincadeiras" que é preciso ir lendo, reflectidamente, abrindo pausas redentoras na vida tão vertiginosamente desnaturante e desculturalizante que a
O sentido estético e lúdico, aliás complementares, revelam-se bem nesta "Flora de Brincadeiras" que é preciso ir lendo, reflectidamente, abrindo pausas redentoras na vida tão vertiginosamente desnaturante e desculturalizante que a
(...) O regresso à natureza começa a ter-se como um absolutização do mercado livre nos tem andado a impingir.(...)
Flora de Brincadeiras - JOÃO PINTO VIEIRA DA COSTA
Prefácio - ANTÓNIO CABRAL
Capa - ESPIGA PINTO
RETRATOS DO ALENTEJO DE LONGE
(...) Este livro é constituído por relatos do Alentejo perdido silenciosamente na poeira dos tempos.
Costumes, superstições, crenças, vivências que vão ficando submersas na bruma, lá atrás, onde o mistério subsiste para sempre, intrínseco a um povo que viveu, amou e sofreu na planície alentejana que temperou com o seu suor, as suas lágrimas e o sangue generoso da sua gente sofrida que renasce cada dia na poesia que arranca das entranhas, como quem colhe flores orvalhadas pela manhã.
Vivências esquecidas, não obstante a força que as motivou e que, ultrapassadas, se esvaem nas recordações dos mais velhos, que nelas se refugiam desesperadamente, assustados perante os novos e incompreensíveis ventos da actualidade.
Coloquei-me na temporalidade de uma época onde a injustiça social era uma chaga que sangrava, quase sempre em silêncio mas que, por isso, não deixava de gangrenar o corpo e a alma. (...)
Costumes, superstições, crenças, vivências que vão ficando submersas na bruma, lá atrás, onde o mistério subsiste para sempre, intrínseco a um povo que viveu, amou e sofreu na planície alentejana que temperou com o seu suor, as suas lágrimas e o sangue generoso da sua gente sofrida que renasce cada dia na poesia que arranca das entranhas, como quem colhe flores orvalhadas pela manhã.
Vivências esquecidas, não obstante a força que as motivou e que, ultrapassadas, se esvaem nas recordações dos mais velhos, que nelas se refugiam desesperadamente, assustados perante os novos e incompreensíveis ventos da actualidade.
Coloquei-me na temporalidade de uma época onde a injustiça social era uma chaga que sangrava, quase sempre em silêncio mas que, por isso, não deixava de gangrenar o corpo e a alma. (...)
Capa - ESPIGA PINTO
sábado, 6 de junho de 2009
BODAS SELVAGENS
MAÇÃ PRA DOIS
sou eu, podes abrir
trago a chave
e o segredo
a alegria de decifrar
devagar
a grafia do teu corpo
sem medo
esse fio de fogo
à flor dos lábios
contornando os sentidos
sou eu, lança desnuda
varando de ternura
os teus gemidos
Maçã Pra Dois - CLÁUDIO LIMA
Capa - ESPIGA PINTO
Cláudio Lima . Prémio Nacional de Poesia. Fernão de Magalhães Gonçalves - 2008
trago a chave
e o segredo
a alegria de decifrar
devagar
a grafia do teu corpo
sem medo
esse fio de fogo
à flor dos lábios
contornando os sentidos
sou eu, lança desnuda
varando de ternura
os teus gemidos
Maçã Pra Dois - CLÁUDIO LIMA
Capa - ESPIGA PINTO
Cláudio Lima . Prémio Nacional de Poesia. Fernão de Magalhães Gonçalves - 2008
CONTOS SECRETOS
(...) Joaquim Furtado tinha um pedaço da campo no meio da cidade, o quintal. Decorria a Primavera. Um dos seus prazeres era o de sentar-se a ler, pela tardinha, junto à laranjeira. Nesse dia, o livro que trouxe para ali foi O Homem de Luz no Sufismo Persa, de Henri Corbin. Tinha-o recomendado ao grupo e, no próximo Sábado, constituiria o assunto da conversa. Uma conversa, certamente, que não se limitaria a reflectir teoricamente sobre o assunto, mas que serviria, como tantas outras, para estabelecer as bases de uma procura que levasse cada um a realizar em si próprio o Homem de Luz. Como se vê, não se reuniam, à semelhança de outros intelectuais, para trocarem impressões e satisfazerem a própria vaidade. Eram gente séria. Procuravam nada menos do que a realização iniciática.(...)
Contos Secretos - ANTÓNIO TELMO
Capa - ESPIGA PINTO
A CHAVE DO DEGREDO
MONTANHA
Do alto da montanha eu vejo o mundo:
Caminhos e riachos, vejo tudo;
O tempo devagar, silêncio mudo,
O vento a sussurrar em tom profundo.
O alto da montanha é fecundo;
Um livro aberto onde leio e estudo,
Mas só consigo ver um rei desnudo
Perdido, só, em transe e moribundo.
No alto da montanha dou comigo
Na busca de uma paz e de um abrigo,
Perdido já que está o meu escudo.
O alto da montanha é um postigo
Para o mundo, mirando seu umbigo
Que incha e rebenta no entrudo.
A Chave do Degredo - ANTÓNIO FORTUNA
capa - ESPIGA PINTO
António Fortuna . Prémio Nacional de Poesia . Fernão de Magalhães Gonçalves
Do alto da montanha eu vejo o mundo:
Caminhos e riachos, vejo tudo;
O tempo devagar, silêncio mudo,
O vento a sussurrar em tom profundo.
O alto da montanha é fecundo;
Um livro aberto onde leio e estudo,
Mas só consigo ver um rei desnudo
Perdido, só, em transe e moribundo.
No alto da montanha dou comigo
Na busca de uma paz e de um abrigo,
Perdido já que está o meu escudo.
O alto da montanha é um postigo
Para o mundo, mirando seu umbigo
Que incha e rebenta no entrudo.
A Chave do Degredo - ANTÓNIO FORTUNA
capa - ESPIGA PINTO
António Fortuna . Prémio Nacional de Poesia . Fernão de Magalhães Gonçalves
SER TORGA
(...) Quando um homem nasce, nasce uma probabilidade absoluta.
Nasce uma aposta que, mesmo proverbialmente perdida, é repetida até ao absurdo.
Antes de uma obra, o homem é um projecto de a realizar. E a frustação é a maior medida interior que ele pode ter de si mesmo. Sensação de deficit, de diferença entre o que somos e o que quereríamos ter sido, é a frustação que nos dá a verdadeira profundidade do nosso tamanho.
Não que o homem deva estar de acordo com os agentes estranhos que o liquidam. Pelo contrário. Fora da revolta não há dignidade. Mas que esta dignidade não pode ser identificada com o currículo limpo de um coronel, somatório de medalhas e de louvores por leais e bons serviços. O homem tem direito ao valor moral de todos os seus actos, sem distinção daqueles que o sentido da vida não avalizou.
Se o homem não é uma pura entidade livre, ele não o é em primeiro lugar porque não sabe nem pode desligar-se da sua liberdade. É por isso que, quando nasce, nasce uma possibilidade ilimitada.
Nasce uma aposta que, mesmo proverbialmente perdida, é repetida até ao absurdo.
Antes de uma obra, o homem é um projecto de a realizar. E a frustação é a maior medida interior que ele pode ter de si mesmo. Sensação de deficit, de diferença entre o que somos e o que quereríamos ter sido, é a frustação que nos dá a verdadeira profundidade do nosso tamanho.
Não que o homem deva estar de acordo com os agentes estranhos que o liquidam. Pelo contrário. Fora da revolta não há dignidade. Mas que esta dignidade não pode ser identificada com o currículo limpo de um coronel, somatório de medalhas e de louvores por leais e bons serviços. O homem tem direito ao valor moral de todos os seus actos, sem distinção daqueles que o sentido da vida não avalizou.
Se o homem não é uma pura entidade livre, ele não o é em primeiro lugar porque não sabe nem pode desligar-se da sua liberdade. É por isso que, quando nasce, nasce uma possibilidade ilimitada.
Ser Torga - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
À memória de Fernão de Magalhães Gonçalves está instituído um Prémio de Poesia.
O SER DA TERRA E DA LÍNGUA
Rosto de Mãe
Imaginamos flor ou sol
e tudo o que sentimos
é só sede de amor.
Inventamos passos no murmúrio
da folhagem entre madressilvas
e é o sonho que enleia o coração.
Mas sem o grito do sangue
não chegarão a ser promessas
com aroma.
Esquecermo-nos na festa
onde a boca foi acesa beijo a beijo
é o teu amor, mãe.
O ser da Terra e da Língua - JOAQUIM DE BARROS FERREIRA
Joaquim de Barros Ferreira . Prémio Nacional de Poesia . Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2009
Imaginamos flor ou sol
e tudo o que sentimos
é só sede de amor.
Inventamos passos no murmúrio
da folhagem entre madressilvas
e é o sonho que enleia o coração.
Mas sem o grito do sangue
não chegarão a ser promessas
com aroma.
Esquecermo-nos na festa
onde a boca foi acesa beijo a beijo
é o teu amor, mãe.
O ser da Terra e da Língua - JOAQUIM DE BARROS FERREIRA
Joaquim de Barros Ferreira . Prémio Nacional de Poesia . Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2009
ALGUMAS CARTAS
(...) Tenho à minha frente nove tiras gatafunhadas de impressões sobre os Cadernos de Literatura. Desta vez o texto não saiu de lufada. Saiu a ferros.
Agora que o passo à máquina e ponho ordem na grafia, prometo limpá-lo na medida do possível do lixo técnico e dos assobios da ferrugem. Mas não preciso de lhe dizer da dificuldade que custa crivar e aligeirar estas coisas.
(...) Uma nota final sobre a Página do Diário. Os cafés já rosnavam por aí que Torga poderia estar a tornar-se um poeta oficial. este "apontamento" (creio que esta palavra em italiano significa "encontro"...) antecipou-se, pois, em boa hora à publicação do DIÁRIO XIII. Em geito, simultaneamente, de desabafo, de remoque, de manifesto e de teoria demonstradTorga proíbe às suas obras, apenando-os da trave que sempre embandeira todo o oportunismo.(...)a, - é o próprio princípio e a prática da literatura funcionária que
Agora que o passo à máquina e ponho ordem na grafia, prometo limpá-lo na medida do possível do lixo técnico e dos assobios da ferrugem. Mas não preciso de lhe dizer da dificuldade que custa crivar e aligeirar estas coisas.
(...) Uma nota final sobre a Página do Diário. Os cafés já rosnavam por aí que Torga poderia estar a tornar-se um poeta oficial. este "apontamento" (creio que esta palavra em italiano significa "encontro"...) antecipou-se, pois, em boa hora à publicação do DIÁRIO XIII. Em geito, simultaneamente, de desabafo, de remoque, de manifesto e de teoria demonstradTorga proíbe às suas obras, apenando-os da trave que sempre embandeira todo o oportunismo.(...)a, - é o próprio princípio e a prática da literatura funcionária que
Algumas Cartas - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
Esta Carta é endereçada a MIGUEL TORGA
MEU DOURO MARAVILHOSO
Rio Douro
Carregado com o odor da terra solta,
O Douro de água corrente
Segue o infinito vazio
Como as labaredas do Sol poente.
Em suas margens recortadas,
Entre vinhedos e olivais,
Avistam-se espigas doiradas
Baloiçando,
Contrastando com papoilas
Espreitando...
Sensuais.
Carregado com o odor da terra solta,
O Douro de água corrente
Segue o infinito vazio
Como as labaredas do Sol poente.
Em suas margens recortadas,
Entre vinhedos e olivais,
Avistam-se espigas doiradas
Baloiçando,
Contrastando com papoilas
Espreitando...
Sensuais.
capa - ESPIGA PINTO
prefácio -ANA PAULA FORTUNA
ASSINALADOS
(...) Alguém, cá de baixo, que andasse ao meu lado e me acompanhasse angustiadamente na procura de um recinto de fogo, em que todos temos os olhos quando sorrimos depois de termos compreendido que alguém nos atraiçoou.
Mas é escusado. A negrura que estiver para vir há-de vir toda. Todos aqueles frades felizes são o cenário da minha comédia. E é por isto, por ser sozinho que tenho de enfrentar a culpa, a dor - que eu nem chorar consigo. A vontade de chorar represente uma certa superação das funduras onde estamos, acompanha uma certa comunhão de dor, um certo vislumbre de sentido para a solidão. Resta-me continuar a esvaziar as mãos, esquecer, renunciar. Porei os meus passos no movediço que os pés recusam e entrarei no vago e no acaso, perdido mas tenso e de ferro.(...)
Mas é escusado. A negrura que estiver para vir há-de vir toda. Todos aqueles frades felizes são o cenário da minha comédia. E é por isto, por ser sozinho que tenho de enfrentar a culpa, a dor - que eu nem chorar consigo. A vontade de chorar represente uma certa superação das funduras onde estamos, acompanha uma certa comunhão de dor, um certo vislumbre de sentido para a solidão. Resta-me continuar a esvaziar as mãos, esquecer, renunciar. Porei os meus passos no movediço que os pés recusam e entrarei no vago e no acaso, perdido mas tenso e de ferro.(...)
Assinalados - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
À sua memória está instituído um Prémio de Poesia
ANTOLOGIA DOS POEMAS DURIENSES
O Rio Douro
Primeiro, vejo-o descer como um sinal
distante; depois, o cravo
da luz transborda. A asa
regressa, finalmente, ao corpo
e segue com ele.
A explosão da tarde na vidraça da quinta
e o voo amplo do grifo predador
como vou eu sentá-los
à mesa do banquete?
O rio Douro nasce na serra de Urbion
em Espanha, ao pé de uma erva,
e vai desaguando
na erva seca de muitos olhos
que calculam a sua própria distância em vinho.
Antologia dos Poemas Durienses - ANTÓNIO CABRAL
Primeiro, vejo-o descer como um sinal
distante; depois, o cravo
da luz transborda. A asa
regressa, finalmente, ao corpo
e segue com ele.
A explosão da tarde na vidraça da quinta
e o voo amplo do grifo predador
como vou eu sentá-los
à mesa do banquete?
O rio Douro nasce na serra de Urbion
em Espanha, ao pé de uma erva,
e vai desaguando
na erva seca de muitos olhos
que calculam a sua própria distância em vinho.
Antologia dos Poemas Durienses - ANTÓNIO CABRAL
ANDAMENTO
Amorímetro
E agora encontro na minha a tua mão no
teu pulso passa um rio barcos ancorados
troncos na torrente e
notas de flauta a montante
tomo-te o pulso conto os impulsos da água
entre ramos de salgueiros cabelos verdes
correm os teus olhos pelos meus
palavra a palavra diluídos
estão certos os pés de violeta e os
fios de relva nas margens
tudo esmorece na pele da água
um rio azul no mapa do teu pulso
demoro a tua saliva na minha boca
pára passando o tempo folha verde no vento
ou pássaro fugindo das nossas mãos abrindo-se
agora neste momento.
Andamento - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
capa - NADIR AFONSO
E agora encontro na minha a tua mão no
teu pulso passa um rio barcos ancorados
troncos na torrente e
notas de flauta a montante
tomo-te o pulso conto os impulsos da água
entre ramos de salgueiros cabelos verdes
correm os teus olhos pelos meus
palavra a palavra diluídos
estão certos os pés de violeta e os
fios de relva nas margens
tudo esmorece na pele da água
um rio azul no mapa do teu pulso
demoro a tua saliva na minha boca
pára passando o tempo folha verde no vento
ou pássaro fugindo das nossas mãos abrindo-se
agora neste momento.
Andamento - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
capa - NADIR AFONSO
sexta-feira, 5 de junho de 2009
LIVRO DE HORAS
(...) Hora 11
no sítio escorregadio
do duche,
quando o teu corpo sai,
ficam inúmeras gotas
que reflectem por horas
o inexplicável
da tua nudez.
surpreendidas
pela indiferença
com que as deixaste
assim multiplicadas,
as tuas imagens líquidas
perduram.
Livro de Horas Iluminado Obliquamente - VÍTOR OLIVEIRA JORGE
capa - ESPIGA PINTO
no sítio escorregadio
do duche,
quando o teu corpo sai,
ficam inúmeras gotas
que reflectem por horas
o inexplicável
da tua nudez.
surpreendidas
pela indiferença
com que as deixaste
assim multiplicadas,
as tuas imagens líquidas
perduram.
Livro de Horas Iluminado Obliquamente - VÍTOR OLIVEIRA JORGE
capa - ESPIGA PINTO
MULHERES PORTUGUESAS
Mulheres Portuguesas (séc. XV/XVI) na Europa do seu Tempo
"(...) Daí que Júlio Dantas tivesse concluído que se tratava de uma verdadeira tragédia de amor, envolvendo directamente a Infanta.
Teria sido exactamente esta tragédia o que desencadeou a crise de exaltação mística que lhe é atribuída. Daí, finalmente, a conclusão definitiva: D. Joana deve ser considerada não só como uma santa, mas também como uma das grandes amorosas da nossa história.
Este profundo desgosto de amor teria pois condicionado toda a sua conduta futura em que podemos encontrar, sob as aparências duma exaltação mística de facto excessiva, uma (pelo menos inconsciente) revolta surda e um alheamento da vida.(...)"
"(...) Daí que Júlio Dantas tivesse concluído que se tratava de uma verdadeira tragédia de amor, envolvendo directamente a Infanta.
Teria sido exactamente esta tragédia o que desencadeou a crise de exaltação mística que lhe é atribuída. Daí, finalmente, a conclusão definitiva: D. Joana deve ser considerada não só como uma santa, mas também como uma das grandes amorosas da nossa história.
Este profundo desgosto de amor teria pois condicionado toda a sua conduta futura em que podemos encontrar, sob as aparências duma exaltação mística de facto excessiva, uma (pelo menos inconsciente) revolta surda e um alheamento da vida.(...)"
Mulheres Portuguesas - ANASTÁSIA M. SALGADO
capa -ESPIGA PINTO
EUROPA ESCONDIDA
"(...) - Vamos ao alfaiate comprar-te um casaco.
Num Natal qualquer, teria uns dezassete anos, sabe, foi antes da inspecção militar, a mãe veio com a novidade. Disse-lhe para apressar o almoço e iam lá os dois, enquanto o novo marido saboreava o seu cachimbo e passava os olhos pelo jornal. "Já falei com ele, mas é melhor tu ires. Vestes e vamos ver como te fica. Não tens nada bom para ir à missa ou para uma ocasião qualquer". Nunca teve muita roupa. O marido da mãe era muito vaidoso, andava quase sempre vestido com as mesmas calças e camisas, mas tinha um armário cheio de casacos para Verão e para Inverno, muitas calças, tudo muito bem passado e pendurado, gavetões com peúgas, lenços, ceroulas. Às vezes espreitava quando a mãe ia guardar as peças lavadas e passadas.(...)"
Num Natal qualquer, teria uns dezassete anos, sabe, foi antes da inspecção militar, a mãe veio com a novidade. Disse-lhe para apressar o almoço e iam lá os dois, enquanto o novo marido saboreava o seu cachimbo e passava os olhos pelo jornal. "Já falei com ele, mas é melhor tu ires. Vestes e vamos ver como te fica. Não tens nada bom para ir à missa ou para uma ocasião qualquer". Nunca teve muita roupa. O marido da mãe era muito vaidoso, andava quase sempre vestido com as mesmas calças e camisas, mas tinha um armário cheio de casacos para Verão e para Inverno, muitas calças, tudo muito bem passado e pendurado, gavetões com peúgas, lenços, ceroulas. Às vezes espreitava quando a mãe ia guardar as peças lavadas e passadas.(...)"
Europa Escondida - GUIDA NUNES
capa - ESPIGA PINTO
PASSAGENS E AFECTOS
O Despertar do Amor
O Amor, era rio crescente
Que em mim desaguava.
E só sabia a nascente,
En sonhos, quando acordava
Como primavera em flor,
Na torrente das miragens,
Era imenso o esplendor,
No fluir das linguagens.
Mas eram frutos proibidos,
O beijar dos lábios teus,
E ao sentir dos meus sentidos,
Só davam sentido os teus.
E via-te só e nua,
No segredo dos desejos,
E quando passavas por mim,
Sentia o sabor dos teus beijos.
Passagens e Afectos - JOÃO DE DEUS RODRIGUES
O Amor, era rio crescente
Que em mim desaguava.
E só sabia a nascente,
En sonhos, quando acordava
Como primavera em flor,
Na torrente das miragens,
Era imenso o esplendor,
No fluir das linguagens.
Mas eram frutos proibidos,
O beijar dos lábios teus,
E ao sentir dos meus sentidos,
Só davam sentido os teus.
E via-te só e nua,
No segredo dos desejos,
E quando passavas por mim,
Sentia o sabor dos teus beijos.
Passagens e Afectos - JOÃO DE DEUS RODRIGUES
A CULPA DE DEUS
A Culpa de Deus para um ensaio sobre o livre arbítrio
"(...) Coloco o ouvido perto da boca dele e oiço, estupefacto, um apelo para que o ajudem a morrer.
-Já não estou nem vivo nem morto. Sofro muito, não tenho palavras para o exprimir. Preciso de reencontrar um resto de dignidade, morrer apaziguado pela decisão, não ficar reduzido a um desses ratos de laboratório que se apagam cheios de "cancros experimentais", as patas para o ar, um fio de sangue pendurado dos focinhos. Ajude-me a morrer com alguma paz digna, é só baixar aquelas alavancas ou desligar os cabos de sustentação cardíaca.
Aperto-lhe a mão livre, junto as palavras que posso:
- Não condeno a sua vontade. Concordo com o direito que ela implica. Mas não estou em condições, nem físicas, nem emocionais, e muito menos jurídicas, para fazer o que me pede sem qualquer espécie de questionação, uma aceitável troca de ideias entre nós. É preciso tempo para amar, é preciso tempo
"(...) Coloco o ouvido perto da boca dele e oiço, estupefacto, um apelo para que o ajudem a morrer.
-Já não estou nem vivo nem morto. Sofro muito, não tenho palavras para o exprimir. Preciso de reencontrar um resto de dignidade, morrer apaziguado pela decisão, não ficar reduzido a um desses ratos de laboratório que se apagam cheios de "cancros experimentais", as patas para o ar, um fio de sangue pendurado dos focinhos. Ajude-me a morrer com alguma paz digna, é só baixar aquelas alavancas ou desligar os cabos de sustentação cardíaca.
Aperto-lhe a mão livre, junto as palavras que posso:
- Não condeno a sua vontade. Concordo com o direito que ela implica. Mas não estou em condições, nem físicas, nem emocionais, e muito menos jurídicas, para fazer o que me pede sem qualquer espécie de questionação, uma aceitável troca de ideias entre nós. É preciso tempo para amar, é preciso tempo
para morrer.(...)"
A Culpa de Deus - ROCHA DE SOUSA
capa de rocha de Sousa
JARDINS SUSPENSOS
O JARDIM DOS CIPRESTES
De verde fogo, de verde ramo
como quem canta e ri,
às vezes ao calor das horas,
que na flor do lírio roxo
nem sempre vive.
Na praça da torre de granito e branca
a paz de pomba levita,
como verbo viagenzita.
No meu ouvido
gorjeia ainda voz delida
e no jardim defronte
canta a vida,
embora delicada e frágil,
como sempre fora,
como terno o amor
e sofrido embora.
Joaquim de Barros Ferreira . Prémio Nacional de Poesia . Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2009
Jardins Suspensos - capa de Espiga Pinto
De verde fogo, de verde ramo
como quem canta e ri,
às vezes ao calor das horas,
que na flor do lírio roxo
nem sempre vive.
Na praça da torre de granito e branca
a paz de pomba levita,
como verbo viagenzita.
No meu ouvido
gorjeia ainda voz delida
e no jardim defronte
canta a vida,
embora delicada e frágil,
como sempre fora,
como terno o amor
e sofrido embora.
Joaquim de Barros Ferreira . Prémio Nacional de Poesia . Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2009
Jardins Suspensos - capa de Espiga Pinto
DA RUA DOS POETAS
CADERNO DE NOTAS
Carinhosamente
O meu caderno de notas
Imprudente
Tem capa
De azul fulgente
Antecipando
Divagação crescente
Da minha mente.
Cuidadosamente
O meu caderno de notas
Não mente
Transpirando o que sente.
Tremulamente, folheio
O meu caderno de notas
Rabiscado
Com tinta quente
Da Rua Dos Poetas - António Fortuna /Prémio Nacional de Poesia . Fernão de Magalhães Gonçalves.
Capa - Espiga Pinto
Carinhosamente
O meu caderno de notas
Imprudente
Tem capa
De azul fulgente
Antecipando
Divagação crescente
Da minha mente.
Cuidadosamente
O meu caderno de notas
Não mente
Transpirando o que sente.
Tremulamente, folheio
O meu caderno de notas
Rabiscado
Com tinta quente
Da Rua Dos Poetas - António Fortuna /Prémio Nacional de Poesia . Fernão de Magalhães Gonçalves.
Capa - Espiga Pinto
quinta-feira, 4 de junho de 2009
CONSIDERANDO OS FILÓSOFOS
(...) Desde logo foi tão intencional e certeiro D. Afonso Henriques que sempre recusou enviar às Cortes dos vários reinos das Espanhas qualquer dignatário ou mero representante português, nem sequer nelas permitiu o simples hastear do nosso pendão. Ainda que cristã como as outras da Reconquista, a nação foi sempre apontada a uma outra coisa futura, quer chamando-se a si mesma Terra de Santa Maria, quer se abrindo à meditação do Quinto Império. Mas, no final da dinastia Afonsina voltaram em força os do costume: Leonor Teles anda mal com o Andeiro e parte importante do nosso escol bandeia-se com Castela. Os nossos poetas, tanto fazem versos como guerras, e o Mestre de Aviz com Nuno Álvares Pereira, ambos coadjuvados pelas "quadras" populares de Álvaro Pais e de seu enteado João das Regras, escreveram um poema enorme e épico até Aljubarrota.(...)
Livro de CARLOS AURÉLIO
capa de Espiga Pinto
SETE MEDITAÇÕES SOBRE MIGUEL TORGA
Miguel Torga nasceu em São Martinho de Anta, em Trás-os-Montes, a 12 de Agosto de 1907. Aí permanece até aos dez anos. Concluída a quarta classe, a "família pobre e sem recursos materiais" encaminha-o para o Seminário de Lamego que acaba por abandonar. Aos treze anos, vemo-lo embarcado para o Brasil onde, durante cinco, vive com seu tio paterno, na Fazenda de Santa Cruz (Minas Gerais), mau grado as judiciosas insinuações de seu pai : "O teu Brasil é o Seminário...". Novamente em Portugal, perfaz em três anos os três ciclos liceais, matricula-se na Faculdade de Medicina de Coimbra onde, em 1933, finaliza o curso.
Estabelece-se, provisoriamente, na terra natal, em Vila Nova, em Leiria, e, a partir de 1939, fixa-se definitivamente em Coimbra onde exerce clínica.(...)
Estabelece-se, provisoriamente, na terra natal, em Vila Nova, em Leiria, e, a partir de 1939, fixa-se definitivamente em Coimbra onde exerce clínica.(...)
ITINERARIUM
sobre mim
poeta não ungido
nem ouvido
o das palavras exaustas
e dos olhos queimados
de subir
fardo fendido de razão
e alavanca insofrida de acordar
coisas que ditas a prumo são mortais
sobre mim
a grande melancolia
de não haver a poesia
até ao fim
Cláudio Lima . Prémio Nacional de Poesia - Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2008.
poeta não ungido
nem ouvido
o das palavras exaustas
e dos olhos queimados
de subir
fardo fendido de razão
e alavanca insofrida de acordar
coisas que ditas a prumo são mortais
sobre mim
a grande melancolia
de não haver a poesia
até ao fim
Cláudio Lima . Prémio Nacional de Poesia - Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2008.
DONAS BOTO
DONAS BOTO . PORTUGUÊS POETA . PRIMEIRO IDEÓLOGO MODERNO DA UNIÃO EUROPEIA - é o novo livro de FRANCISCO MARTINS.
"(...) Nasceu em Ervedosa do Douro, concelho de S.João da Pesqueira, em 1810, no seio de uma família fidalga e muito abastada, dona de várias quintas produtoras de vinho do Porto. Como desde cedo revelou uma inteligência precoce, o pai colocou-o num mosteiro perto da vila onde fez os primeiros estudos. Tinha dez anos quando rebenta a Revolução de 1820 - na qual seu pai, tenente coronel do exército, participa. Mais tarde parte para Coimbra, frequenta o Colégio das Artes, dos Jesuítas, onde ganha fama "de bom estudante"; faz aí os exames preparatórios para entrar na Universidade, e matricula-se em Direito, em Outubro de 1826. Revela-se um leitor sedento do saber, preferindo os autores menos falados na Academia, particularmente Rousseau e Voltaire.(...)"
"(...) Nasceu em Ervedosa do Douro, concelho de S.João da Pesqueira, em 1810, no seio de uma família fidalga e muito abastada, dona de várias quintas produtoras de vinho do Porto. Como desde cedo revelou uma inteligência precoce, o pai colocou-o num mosteiro perto da vila onde fez os primeiros estudos. Tinha dez anos quando rebenta a Revolução de 1820 - na qual seu pai, tenente coronel do exército, participa. Mais tarde parte para Coimbra, frequenta o Colégio das Artes, dos Jesuítas, onde ganha fama "de bom estudante"; faz aí os exames preparatórios para entrar na Universidade, e matricula-se em Direito, em Outubro de 1826. Revela-se um leitor sedento do saber, preferindo os autores menos falados na Academia, particularmente Rousseau e Voltaire.(...)"
Texto de Francisco Martins
Capa de Espiga Pinto
HISTÓRIAS MARAVILHOSAS DA TERRA QUENTE
Prestar homenagem ao passado vivido na sua terra e trazer ao de cima aspectos etnográficos e humanos da vida rural portuguesa no séc. XX são talvez os objectivos principais destes contos transmontanos que João de Deus escreve com o conhecimento directo dos assuntos tratados e com o seu grande dom de observação amorosa, que o levam a ser também um pintor e um poeta, verdadeiramente animado dum fraternalismo que engloba todos os reinos da natureza como se vê nos três últimos contos bem originais.
No fundo é na terra que se enraíza todo o livro e que nos oferece a todos nós leitores, dos mais velhos aos mais novos, os seus frutos de histórias exemplares em que os seres humanos na sua pequenez e na sua grandeza, brilham em destemor, candura, honra, fraternidade e solidariedade,
e nos fazem crescer asas (...)
(do Prefácio - Dr.Pedro Teixeira da Mota)
Histórias Maravilhosas da Terra Quente -JOÃO DE DEUS ROD.
No fundo é na terra que se enraíza todo o livro e que nos oferece a todos nós leitores, dos mais velhos aos mais novos, os seus frutos de histórias exemplares em que os seres humanos na sua pequenez e na sua grandeza, brilham em destemor, candura, honra, fraternidade e solidariedade,
e nos fazem crescer asas (...)
(do Prefácio - Dr.Pedro Teixeira da Mota)
Histórias Maravilhosas da Terra Quente -JOÃO DE DEUS ROD.
Capa de Espiga Pinto
A TENTAÇÃO DE SANTO ANTÃO
Toda a poesia
é uma solidão
escrita
à janela
o que fez
Santo Antão.
Vede-o com a nuvem
que ostensivamente
não lhe cobre
todo
o sono.
Vede-o nas ruínas
do castelo
ou na quebra
do monte,
encostado ao vento.
A nuvem
prolonga-lhe
a respiração.
Dois seios florindo
à saída
da piscina,
a cor do lume
na coxa
oferecida. (...)
A Tentação de Santo Antão - ANTÓNIO CABRAL - Prémio Nacional de Poesia
Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2007
é uma solidão
escrita
à janela
o que fez
Santo Antão.
Vede-o com a nuvem
que ostensivamente
não lhe cobre
todo
o sono.
Vede-o nas ruínas
do castelo
ou na quebra
do monte,
encostado ao vento.
A nuvem
prolonga-lhe
a respiração.
Dois seios florindo
à saída
da piscina,
a cor do lume
na coxa
oferecida. (...)
A Tentação de Santo Antão - ANTÓNIO CABRAL - Prémio Nacional de Poesia
Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2007
Capa de Espiga Pinto
quarta-feira, 3 de junho de 2009
ROSA IN FLUMINA
(...)
Ó que graciosa rapariga
Me lançou gentil sorriso,
Agora mesmo e há poucochinho,
No terreiro de São João
Se lírio roxo não fosse,
Ai, eu iria sempre
Com rosa tão lisonjeira,
Assim ela quisesse.
Onde vais, onde, tão fagueiro?
Vou ao sereno de São João
Com rosa que me incita
A saltar à fogueira.
Até o pinheiro manso
Dança mais a sua rama;
São João a ver as moças
Debaixo dela se encanta!
Rosa In Flumina, livro de JOAQUIM DE BARROS FERREIRA
Ó que graciosa rapariga
Me lançou gentil sorriso,
Agora mesmo e há poucochinho,
No terreiro de São João
Se lírio roxo não fosse,
Ai, eu iria sempre
Com rosa tão lisonjeira,
Assim ela quisesse.
Onde vais, onde, tão fagueiro?
Vou ao sereno de São João
Com rosa que me incita
A saltar à fogueira.
Até o pinheiro manso
Dança mais a sua rama;
São João a ver as moças
Debaixo dela se encanta!
Rosa In Flumina, livro de JOAQUIM DE BARROS FERREIRA
Capa - ESPIGA PINTO
Joaquim de Barros Ferreira - Prémio Nacional de Poesia - Fernão de Magalhães Gonçalves,
em 2009.
Joaquim de Barros Ferreira - Prémio Nacional de Poesia - Fernão de Magalhães Gonçalves,
em 2009.
ITINERARIUM II
lanço poemas como quem atira sementes
a um solo alheio
e insensível
alguns morrerão entre escolhos
de indiferença
outros serão repasto
de pássaros vorazes
um ou dois
talvez consigam o favor
de um palmo de chão acolhedor
Itinerarium II de CLÁUDIO LIMA
Cláudio Lima venceu o Prémio Nacional de Poesia - Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2008
a um solo alheio
e insensível
alguns morrerão entre escolhos
de indiferença
outros serão repasto
de pássaros vorazes
um ou dois
talvez consigam o favor
de um palmo de chão acolhedor
Itinerarium II de CLÁUDIO LIMA
Cláudio Lima venceu o Prémio Nacional de Poesia - Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2008
O SENHOR DA TERRA QUENTE
O SENHOR DA TERRA QUENTE
Viva o Cardeal D. Henrique
No Inferno muitos anos
Que nos deixou Portugal
Entregue aos Castelhanos
(quadra popular)
Um frio matinal, vindo de Espanha, fustigava a Terra Quente. Manuel alimentava os animais, fortalecendo-os para as tarefas do dia que rompia negro como a alma das gentes do Pópulo. O nevoeiro cerrado escondia a esperança de encontrar um rumo e contrariar a orfandade em que se encontravam. Aquele não era como o nevoeiro do Tejo, trazido por alguma corrente quente do norte de África.
Manuel e o filho, Luiz, apresentaram-se com os bois, como de costume, à portada do Conde para ganhar a jeira. (...)
O Senhor da Terra Quente e Outros Contos, de ANTÓNIO FORTUNA
Capa - ESPIGA PINTO
António Fortuna venceu o Prémio Nacional de Poesia - Fernão de Magalhães Gonçalves
ALENTEJO DE LONGE
(...) Os dias sucediam-se naquela modorrice de Verão, sem que nada de especial acontecesse. E os temas das conversas de um grupo de homens que estavam sentados nos bancos do Rossio, daquela vila, surgiam segundo a vontade dos intervenientes, apesar de alguns deles serem constantes:
- Este ano vai haver uma boa pancada de pão... ó lá se vai... E os favais, apesar das geadas, este ano foram um regalo... agora, com este calor, o pior são os fogos, lembram-se do ano passado? Nunca houve uma desgraça assim!...
Outro tema favorito era constituído pelas estórias incríveis que os bois do Chico Vilela provocavam, desde as mais trágicas, para quem ficasse estropiado para o resto da vida, por ter levado umas cornadas, até às mais hilariantes, que nem pareciam deste mundo!(...)
Alentejo de Longe - MARIANA DE BRITO
- Este ano vai haver uma boa pancada de pão... ó lá se vai... E os favais, apesar das geadas, este ano foram um regalo... agora, com este calor, o pior são os fogos, lembram-se do ano passado? Nunca houve uma desgraça assim!...
Outro tema favorito era constituído pelas estórias incríveis que os bois do Chico Vilela provocavam, desde as mais trágicas, para quem ficasse estropiado para o resto da vida, por ter levado umas cornadas, até às mais hilariantes, que nem pareciam deste mundo!(...)
Alentejo de Longe - MARIANA DE BRITO
Capa - ESPIGA PINTO
terça-feira, 2 de junho de 2009
BELAS -ARTES E SEGREDOS CONVENTUAIS
(...) O enterro das vozes, naqueles tempos de ansiedade e alguma alegria, era a terrível desvantagem de exercer funções docentes na mesma escola onde eu próprio aprendera sonhos dispersos, truques, apetites encobertos sob o manto diáfano que amaciava, mágico, a grotesca presença da realidade. Esquecera quase todas as minhas colegas - não os rostos, os diferentes tipos de beleza, mas a identidade dos seus passos perto de mim, a doçura e a origem, e já não podia,quase de todo, saber do paradeiro do João Avelar, do Corte Real, da Vera, de vários outros. E assim, de mistura com as idas à Leitaria e a lembrança dos carros do Acácio, sobravam diferentes imagens mais fortes, o afrontamento das regras tradicionais, emergindo no pântano em volta, ou a luta secreta pela liberdade. Cinco anos depois, qualquer aluno era mais livre do que um pobre assistente, funcionário público apanhado nas redes do poder, sempre na contingência de morder o anzol.(...)
Belas-Artes e Segredos Conventuais, de ROCHA DE SOUSA
Belas-Artes e Segredos Conventuais, de ROCHA DE SOUSA
segunda-feira, 1 de junho de 2009
CALLE SAN JUAN DE DIÓS
Quem te trouxe um dia do Alentejo da
saudade da planície sob o luar até às
muralhas de Granada
quem pôs um tal caminho nos teus pés de
aventureiro português
os pobres e os doentes não existem nos
anais da história mas
eles são o esquecimento a que se prendem as
raízes do amor e da memória
pede-se hoje nesta rua um "par de duros"
para um "parado" com fome
para um velho enlouquecido
para um menino sem nome
e quando a indiferença dos que passam
se muda em desespero num pedinte
no seu rosto raia ainda a esperança de que
tu voltes e sejas o seguinte.
(do livro) MEMÓRIA IMPERFEITA - Fernão de Magalhães Gonçalves
saudade da planície sob o luar até às
muralhas de Granada
quem pôs um tal caminho nos teus pés de
aventureiro português
os pobres e os doentes não existem nos
anais da história mas
eles são o esquecimento a que se prendem as
raízes do amor e da memória
pede-se hoje nesta rua um "par de duros"
para um "parado" com fome
para um velho enlouquecido
para um menino sem nome
e quando a indiferença dos que passam
se muda em desespero num pedinte
no seu rosto raia ainda a esperança de que
tu voltes e sejas o seguinte.
(do livro) MEMÓRIA IMPERFEITA - Fernão de Magalhães Gonçalves
O TEMPO DAS ROMÃS
Momento a
momento abro a cor do teu corpo
braços e cabelos conduzem lentamente as chamas da
ferida do fogo arrebatado
grão a
grão se forma a nossa fome do
sal do suor não saciada
que fluxo de espuma nos dedos entornada te
deixa no sangue a quilha que o divide
seguirei sempre o norte do teu corpo que
do deserto venho perseguindo a
tua boca
de repente a espuma nos absorve e a
quilha a curva do teu corpo abre no
sobressalto azul da água apreendida falo dos
teus olhos
momento a
momento retrocedem no fogo os
teus cabelos ao vento
grão a
grão comeremos a romã eu
da tua e tu da minha mão.
(do livro) OBRA POÉTICA / ANTOLOGIA - Fernão de Magalhães Gonçalves
momento abro a cor do teu corpo
braços e cabelos conduzem lentamente as chamas da
ferida do fogo arrebatado
grão a
grão se forma a nossa fome do
sal do suor não saciada
que fluxo de espuma nos dedos entornada te
deixa no sangue a quilha que o divide
seguirei sempre o norte do teu corpo que
do deserto venho perseguindo a
tua boca
de repente a espuma nos absorve e a
quilha a curva do teu corpo abre no
sobressalto azul da água apreendida falo dos
teus olhos
momento a
momento retrocedem no fogo os
teus cabelos ao vento
grão a
grão comeremos a romã eu
da tua e tu da minha mão.
(do livro) OBRA POÉTICA / ANTOLOGIA - Fernão de Magalhães Gonçalves
JÚBILO DA SEIVA
ficou um poema no teu rosto a
mão cheia de amoras amêndoas e
morangos no teu colo dobrado cinco
pétalas de malmequer no chão cinco
dedos da mão cinco
sílabas do poema inacabado
veste a memória de luz os
nossos corpos nus e na
água nocturna do teu nome dilui o
desejo a cor do lume
ficou um poema no teu rosto que
eu não lerei mais não
voltará a roseira do
teu corpo a dar
rosas iguais
(do livro) JÚBILO DA SEIVA - Fernão de Magalhães Gonçalves
mão cheia de amoras amêndoas e
morangos no teu colo dobrado cinco
pétalas de malmequer no chão cinco
dedos da mão cinco
sílabas do poema inacabado
veste a memória de luz os
nossos corpos nus e na
água nocturna do teu nome dilui o
desejo a cor do lume
ficou um poema no teu rosto que
eu não lerei mais não
voltará a roseira do
teu corpo a dar
rosas iguais
(do livro) JÚBILO DA SEIVA - Fernão de Magalhães Gonçalves
AD ACQUAS FLAVIAS
cidade
da velha torre e dos telhados em sangue na
veiga lisa entre os choupos e
a planície verde da Galiza
com a sombra e o silêncio entre a cal das vielas
e o granito das ameias e das igrejas
com o sol continental nos toirais de areia
e as chaminés das fábricas a prumo
cidade
do teu rosto largo e de bronze e
da estátua de sal da minha mocidade
cidade
cor da terra queimada barro e musgo
das mansardas de zinco almagre
e dos pasmados anjos dos frontões
tumor telúrico de linfa celta e latina
na hora da tarde quando os almocreves
trazem dos fojos da montanha
os seus burros e os seus blusões de bombazina
cidade
da minha mocidade entre o
rio claro
os almocreves os ciganos
as chaminés das fábricas a prumo e os
cinzentos pináculos romanos
(do livro) ANDAMENTO - Fernão de Magalhães Gonçalves
da velha torre e dos telhados em sangue na
veiga lisa entre os choupos e
a planície verde da Galiza
com a sombra e o silêncio entre a cal das vielas
e o granito das ameias e das igrejas
com o sol continental nos toirais de areia
e as chaminés das fábricas a prumo
cidade
do teu rosto largo e de bronze e
da estátua de sal da minha mocidade
cidade
cor da terra queimada barro e musgo
das mansardas de zinco almagre
e dos pasmados anjos dos frontões
tumor telúrico de linfa celta e latina
na hora da tarde quando os almocreves
trazem dos fojos da montanha
os seus burros e os seus blusões de bombazina
cidade
da minha mocidade entre o
rio claro
os almocreves os ciganos
as chaminés das fábricas a prumo e os
cinzentos pináculos romanos
(do livro) ANDAMENTO - Fernão de Magalhães Gonçalves
PORCA DE MURÇA
duraremos
a eternidade circular
da sua forma ambígua e
tumular
deusa-mãe do
terror que a fé na pedra copiou
e que o musgo do tempo disfarçou
a nossa condição é o seu rito
criaturas geradas
das suas entranhas geladas
de granito
(do livro) ANDAMENTO - Fernão de Magalhães Gonçalves
ESPIGA PINTO
Ainda era menino quando chegou à pintura / escultura. Homem determinado e invulgar, pinta como quem beija. Entrega-se total e perdidamente.
Do Alentejo, onde nasceu, revelador de uma intuição e sensibilidade apuradíssimas, vem afirmando a solidez e singularidade de um percurso que começa e termina na busca e apreensão dos possíveis sentidos da existência.
(...) O tempo reflecte-se na obra de Espiga, sobretudo na medida em que resiste ao seu poder envolvente, em que lhe opõe uma linguagem pictórica deslumbrante e corajosamente assumida. A memória revela-se essencial para a lenta penetração no imaginário de deuses e anjos...
(...) Estamos perante um dos mais geniais (não tenhamos medo das palavras) Mestres da pintura portuguesa contemporânea. A espantosa força lírica e formal da sua pintura exponencia um potencial absoluto de ritmo, cor, rigor, encantamento; de atractivo e fascínio.
(...) A chave de toda esta maravilha move-se na rigorosa e complexa teia geométrica do Pintor.
(do livro) TRÊS RIOS ABRAÇAM O CORAÇÃO
Capa - ESPIGA PINTO
CAMILO CASTELO BRANCO
(...) Criador invulgar, viveu , meditou, amou e escreveu com uma intensidade desmedida. Haverá destino mais deslumbrante do que o deste homem de excepção, influenciado pela experiência da sua existência, legando-nos uma Obra fascinante com uma dimensão profundamente encantatória?
(...) Camilo foi uma personagem fascinante e a familiaridade com que este génio da escrita entusiasma a alma, delicia os olhos e comunica intimamente com todos os sentidos. A sua escrita inconfundível, rigorosa e brilhante, incessantemente mágica, impressionante na sua lucidez e o seu privilegiado talento literário deram-lhe uma qualidade excepcional na ficção, crítica literária, jornalismo, investigação histórica, poesia, drama, folhetim, sátira política, estudos genealógicos, traduções, estudos bibliográficos, polémica, correspondência epistolar, etc.
(...) Entregou-se inteiramente, pertenceu à mais antiga associação de homens do mundo, a continuidade não é concebível sem a tradição e é ela que permite preservar a sua identidade.
(do livro) - TRÊS RIOS ABRAÇAM O CORAÇÃO
Capa - ESPIGA PINTO
TARTARUGA - realizadora de sonhos
A TARTARUGA é um projecto cultural e humanista, divulga e enobrece a língua e a cultura portuguesas.
Para Platão, a inspiração poética está ligada ao entusiasmo e à posse do sentido do divino.
Para Aristóteles, a poesia, qualquer que seja o seu objecto, heróica ou satírica, e a sua forma, dramática, lírica ou épica pertence às artes de imitação. Enraizada na natureza, a poesia é o lugar de uma verdade mais filosófica e universal do que a simples exactidão histórica.
Porque a história da nossa literatura o impõe e o seu objectivo final é levar aos leitores o registo escrito do pensamento e criatividade que brotam de fontes inesgotáveis aqui estamos, cada vez mais, mostrando a nossa língua no seu melhor e demonstrando que é uma língua viva comunicante, bela e com uma identidade inquestionável.
A essência da escrita é deliciar os leitores e os autores depois da execução lírica, captando cada instante com emoções e atraídos pela maravilhosa interpretação de palavras e imagens representadas e delineadas em cada página do livro.
Assim, exprimimos a convicção de dever cumprido conscientemente, empenho e visível articulação entre autor e leitor.
Buda ensinou oitenta e quatro mil formas de alcançar a iluminação.
Nós acreditamos que os deuses são generosos e os frutos divinos.
Aqui ficam, nas nossas mãos (livros), frutos dos deuses.
Manuela Morais
Para Platão, a inspiração poética está ligada ao entusiasmo e à posse do sentido do divino.
Para Aristóteles, a poesia, qualquer que seja o seu objecto, heróica ou satírica, e a sua forma, dramática, lírica ou épica pertence às artes de imitação. Enraizada na natureza, a poesia é o lugar de uma verdade mais filosófica e universal do que a simples exactidão histórica.
Porque a história da nossa literatura o impõe e o seu objectivo final é levar aos leitores o registo escrito do pensamento e criatividade que brotam de fontes inesgotáveis aqui estamos, cada vez mais, mostrando a nossa língua no seu melhor e demonstrando que é uma língua viva comunicante, bela e com uma identidade inquestionável.
A essência da escrita é deliciar os leitores e os autores depois da execução lírica, captando cada instante com emoções e atraídos pela maravilhosa interpretação de palavras e imagens representadas e delineadas em cada página do livro.
Assim, exprimimos a convicção de dever cumprido conscientemente, empenho e visível articulação entre autor e leitor.
Buda ensinou oitenta e quatro mil formas de alcançar a iluminação.
Nós acreditamos que os deuses são generosos e os frutos divinos.
Aqui ficam, nas nossas mãos (livros), frutos dos deuses.
Manuela Morais
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