sábado, 24 de outubro de 2009

FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES

(. . .)
Simplesmente, porque a libertação foi "universal" mas não plural, porque a liberdade não consiste num número infinito de possibilidades mas apenas numa, essa individualização, paradoxalmente, custou-lhe o preço da liberdade e da própria vida. Porque, desde o momento em que partiu, desde o momento em que se auto-afirmou e individualizou, Vicente entrou num destino sem mais opções e alternâncias, sem outro contéudo e sentido que o da liberdade absurda, sem outro desfecho que o da morte soberana. Assim, o corvo, Vicente de nome próprio, por via de regra de todos os dogmas teológicos de todas as religiões (que crucificaram os seus próprios redentores) - terá de morrer afogado. Os sumérios Enkidu e Gilgamesh morreram. Antígona morreu. Sísifo desce e sobe a sua montanha absurdamente.
A não ser que Deus, desencantado por ver-se confrontado na sua soberania por uma criatura que ele próprio não reconhece como autónoma, deixe de tirar prazer desse facto e acabe por admitir que o seu poder, afinal de contas negativo, entrou num beco sem saída. (. . .)
FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES - SER E LER MIGUEL TORGA

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