sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Cântico ao AMOR


«Cântico ao Amor», de Manuela Morais
«Cântico ao Amor», de Manuela Morais

Novo livro «Cântico ao Amor», da murcense Manuela Morais

Durante mais de 25 anos, Manuela Morais, passou grande parte do seu tempo a promover, a editar e a difundir a memória literária do seu primeiro marido, Fernão de Magalhães Gonçalves. Editou 15 títulos da obra do Fernão. Não satisfeita com isso, em 2007, cria o «Prémio Nacional de Poesia, Fernão de Magalhães Gonçalves», em memória do seu grande amor e passados uns 20 anos sobre a dolorosa separação.
O primeiro prémio foi atribuído ao amigo comum, António Cabral, com a obra «A Tentação de Santo Antão». Na sua editora, «Tartaruga», já saíram uns 80 títulos, sendo um grande contributo para a cultura trasmontana e nacional. Pelo meio fez uma licenciatura em «Literatura Comparada». E são da sua autoria três títulos (Três Rios Abraçam o Coração, A Tartaruga Sonhadora e 55 Orações Marianas), sendo o «Cântico ao Amor» o quarto, com dois luminosos corações na capa (do saudoso escultor Espiga Pinto) e na contracapa três fac-simile de dedicatórias do Fernão Magalhães Gonçalves. Abre com dois belos poemas, «Manuela» e «hoje nada te prometo», do Fernão, prosseguindo com o camoniano «Amor é um fogo que arde sem se ver» e «Amar», de Florbela Espanca. M. Verdelho, sob o título, «Sinalagma do amor» e diz que «este Cântico é obra de romance em poesia». E Pedro Teixeira da Mota, no Prefácio classifica o seu livro como «Poesia de amor intensamente sentida». Também Ernesto Rodrigues, na badana da contracapa fala da «reciprocidade do amor: As nuvens lançam raízes// trazendo vibrações à terra.»
Depois, são umas três dúzias de poemas de um realismo amoroso de quem como Florbela Espanca o pintava em letras de fogo cósmico e infindo («Eu quero amar, amar perdidamente!»). De quem ama a imensa felicidade sentida num passado distante e que o amarra ao tempo presente, para o reatar no porvir do Além. É uma libertação pela dor sentida e indefinida como se fizesse um choro dum noivado eterno que se esfumou. As memórias e os sonhos são a força do presente para continuar a viver e a lutar, por exemplo no seu poema a «Sedução»:
Seduzido pelo verso
Ajeitamos o coração.
As linhas das nossas mãos
Deixaram sulcos profundos
Na relva macia,
Nas folhas, nas flores.
Os primeiros beijos guardados
No tapete da salsa,
Debaixo da ramada,
Atrás da casa.
Lembras-te?
Minha Mãe inquieta,
Sem explicação para o fenómeno.
A salsa toda amarrotada.
E eu
Descarada
Culpei o cão.
Nota: A Manuela Morais nasceu em Murça, em 1955 e começou a publicar poemas desde os seus 11 anos. O livro pode ser pedido a tartaruga.editora@gmail.com .

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Cântico ao AMOR

















Cântico ao AMOR - Poemas de Manuela Morais


Texto de Cláudio Lima - Poeta
Publicado no Jornal AS ARTES ENTRE AS LETRAS, 10  fevereiro 2016 - página 9
Regista a poesia portuguesa muitos cânticos de/ao amor. Em diversos ritmos e rimas, nos mais variados modos e níveis de o sentir e conceber. Poemas refletindo o embevecimento contemplativo da pessoa amada ou as vagas impetuosas da paixão, consoante a pulsão erótica de corpos e almas que lhes dão suporte e sentido.
Manuela Morais publicou recentemente, na editora Tartaruga, que criou e mantém ativa desde 1991, um livrinho a que deu o título de Cântico ao AMOR. São 33 poemas breves, de verso curto e fluído onde, com delicada sensibilidade, evoca os dois grandes amores de sua vida: primeiro Fernão de Magalhães Gonçalves, (1943/1988) o malogrado poeta e escritor subitamente falecido em Seul (Coreia do Sul) em cuja universidade se encontrava como leitor de língua e cultura portuguesas -; depois José Manuel Espiga Pinto (1940/2014), consagrado escultor, pintor, desenhista e medalhista, com quem partilhou muitos afetos, sonhos e cumplicidades entre Vila Viçosa e o Porto, em idas e voltas de trabalho, lazer e convívio. Começa por inserir dois poemas que o Fernão lhe dedicou, onde podemos ler: "nome feito à unha / tábua da cama / com um cristo na cruz por testemunha" ou "neste poema concreto vai / apenas um beijo o / desejo de / contigo correr entre os silvedos (...)". Depois, como epígrafes, os dois conhecidos sonetos "Amor é um fogo que arde sem se ver" (Camões) e "Eu quero amar, amar perdidamente" (Florbela). Segue-se um esboço biográfico (O Sinalagma do Amor) em que M. Verdelho recorda a menina e moça que em Murça se apaixona pelo jovem professor e assim inicia uma aventura que será intensa e extensa, "pelo mundo em pedaços repartida". Finalmente, num curto Prefácio, Pedro Teixeira da Mota simbolicamente alude à dança entre os irmãos Eros e Anteros "dança entre o amor irradiado e o amor correspondido".
Duas palavras sobre a poesia da autora. Muito segura e autêntica na expressão da felicidade plena,  conquanto efémera; na reconstituição de uma cartografia de vivências, partilhas e perdas nela aflorada recorrentemente. "Desenhaste no meu coração / lagoas luminosas, / uvas douradas pelo sol / nas raízes do amor / em / construção." (pág.23); "Ensina-me um coração alegre / e generoso / como o teu. // Ensina-me a semear abundantemente / o amor, / com júbilo, / no mais profundo do meu ser." (pág.37); "Mostra-me o tempo / de escutar a respiração / do teu corpo / sobre o meu / das tuas mãos vestido, (...)" (pág.42); "Não tenho mais palavras / gastei-as a chamar-te, / quase enlouquecida / de sentir-te / e não poder tocar-te. // Hoje o que sei dizer / faço-o em versos / para recordar-te." (pág.53)
Por estes pequenos excertos se pode constatar o quanto para a Autora a poesia funciona como instrumento catártico e apaziguador; espécie de escudo e refúgio contra o desespero e a revolta. Se o mundo é absurdo (Camus); se a vida nos surpreende negativamente, cerceando sonhos e ideais, sejamos fortes contra a adversidade, transferindo estados de alma negativos para estádios elevados de confiança numa força que nos supera e nos conduz, conscientes dessa "admirável harmonia do universo", com "nossos luminosos corpos / prodigiosamente atraídos / pelo divino construtor." (pág.49)
Apesar de algumas nuvens intercalares e tenebrosas, a poesia de Manuela Morais é luminosa.




quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Cântico ao AMOR








Cântico ao AMOR de Manuela Morais

Texto de Júlia Serra - Professora e crítica literária
Publicado no Jornal "Poetas e Trovadores", 31 de Dezembro de 2015, página 10.


Esta obra evoca as várias dimensões do amor vivido pelo sujeito poético, num tempo em que, agora, se transformou em saudade metafísica.
Lembrando Camões e Florbela Espanca que ora cantaram o Amor de uma forma intensa e arrebatada ora, através de metáforas e de interrogações retóricas, questionavam os efeitos de tão profundo sentimento, a poetisa relembra o seu passado e presta homenagem aos dois eternos companheiros - Fernão de Magalhães Gonçalves e Espiga Pinto - com quem partilhou o "verdadeiro amor,/símbolo de continuidade e regeneração." (p.27).
Esse sentimento grandioso e sublime surge associado a expressões corporais - o olhar, os dedos, as mãos, o peito, o coração - para reforçar a entrega total de um ser ao outro: "As tuas mãos/ nas minhas mãos/ reflectem o sol." (p.26); "O teu corpo/ dentro do meu corpo/ vai semeando no caminho" (p.28). Esta fusão de sentimentos, contemplando, em nome do verdadeiro amor, a dor da separação dos amados, remete-nos para a súplica de Eros junto de Zeus, lutando pela paz no Olimpo. Assim, o sujeito lírico aspira, em vários poemas, a esse reencontro final com o "tu", desmistificando os mistérios do transcendente e do Além. A poetisa que se identificou com a lua, cedendo o luar para o masculino: "Eu sou a lua./ Tu és o luar,/ a harmonia/ do rio transbordante/ de vida." (p.30), revela-nos que prezava a tranquilidade neste percurso vivencial, mesmo na qualidade de sombra, de dependência perante o luar (o outro) que a encaminhava sempre para o desabrochar da vida.
A nomeação dos elementos da natureza, quer na sua forma líquida quer sólida - caso da água, mar, rio/terra, flores - contribuem para uma maior união das emoções vividas, sugerindo fusão, uma espécie de ponte para a outra margem, a de lá: "Conta-me esses mistérios/ de circundar a esfera celeste,/ deslizar na faixa brilhante,/ e os novos aromas/ que trazes para o nosso quarto,/ quando me vens acordar." (p.52), pois cá, através da memória e dos sentidos, sente o aroma que ficou e, agora, perfuma o quarto que ambos partilharam no "nosso quarto". A dialética temporal agudiza uma certa melancolia ínsita nestes poemas, resquícios de reminiscências que os espaços ajudaram a preservar e que, numa conjugação de categorias espaço-tempo, permitem eternizar o Amor. Há poemas que, pela evocação do circundar, de busca, sugerem um primeiro tempo de amor vivido; enquanto outros semantemas nos remetem para outro tempo. Neste "entre" o sujeito lírico confessa muito ter aprendido com o "tu" e reconhece que está mais completa com essas aprendizagens: "Estou mais completa/ muito de ti em mim,/ algo de mim em ti,/ para um dia me encontrares" (p.53). Uma espécie de preparação para o reencontro final, lembrando Saturno e Vénus; desprendida da corrente da vida; qual Vénus se entrega ao verdadeiro deus! Ela que sempre seduziu, espera, nesta atitude catártica, prepara-se para o caminho das estrelas, o mesmo céu que traçou o seu Destino: "O céu/ do teu destino/ marca/ o compasso do meu" (p.41) - ambos ficarão eternos pelo Amor, razão pela qual este sentimento aparece personificado na capa AMOR (em maiúsculas). O título é, assim, o resultado desta mundividência em que o real e o esoterismo se juntam, em jeito musical.
Nesta relação triádica, o feminino surge como equilíbrio artístico entre escrita e pintura, como aliás, o livro testemunha: na capa, um desenho de Espiga Pinto, no interior da obra, poemas de Fernão de Magalhães Gonçalves e, no ser total, a chancela da Tartaruga Editora. Ao terminar a obra, o sujeito poético, depois de tantas palavras efusivas sobre a recordação do Amor verdadeiro, mostra-se despojado de tudo e apenas aguarda o momento final: "Escrita/ pintura, nada interessa,/ (...) Digo-te, amor,/ para me vires buscar." (p.53).
O AMOR aqui "cantado" por Manuela Morais espelha o brilho musical dos instrumentos evocados nos lexemas "escrita" e "pintura" que se lhe cravaram na alma como o cheiro na pele; esse mesmo brilho há-de conduzi-la às estrelas, quando a noite vier.


domingo, 14 de fevereiro de 2016

Cântico ao AMOR





Meu Amor


Vem, meu amor,
vem depressa,
acorda-me
do esquecimento
de o teu corpo
no meu corpo
se enrolar,
de gemidos de prazer
guardados
em conchas do mar.