Este é o lugar do nosso íntimo regresso
aqui tínhamos vivido antes das
palavras usadas e das emoções perplexas
nestas puras águas banhámos o suor
do primeiro prazer
com bálsamos de ervas e de flores
despertámos a alegria adormecida na
monotonia do corpo melodioso
por estes pátios nos passeámos entre
laranjeiras e ciprestes de rosas coroados
esta é a profecia minuciosa que
nos trouxe do deserto
o paraíso desde sempre anunciado
nos olhos que as estrelas enganavam
aqui está a chave da
pureza das imagens destruídas.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
sexta-feira, 31 de julho de 2009
O JORNALISTA
O jornalista queria passar despercebido e aproveitou um disfarce carnavalesco de croça de palha e dominó. Só apareceu em Cheires à noite, não no carro do jornal cujo nome estampado nas portas chamaria a atenção, mas num carro de praça de Vila Real. Como ainda faltava uma hora até o cortejo fúnebre começar, entrou num café para comer um cachorro quente e beber meia de leite, não se demorando. Sabia que era no adro da igreja que o desfile principiava e foi-se aproximando por entre a gente que já se apinhava no largo próximo onde os mirones, sobretudo forasteiros, mais acudiam. Dois rapazes entretanto tinham-no topado e olhavam-no de soslaio. Ele nas suas sete quintas, com baforadas de tabaco às rodinhas, a medir o que iria acontecer: pois bem, a padiola com o mono do Pai da Carne de falo arrebitado sai do adro, é isso. Atrás, um marmanjo a fazer de padre e outro de sacristão, pessoal com velas e a carpideira do costume: ai o meu Pai da Carne que vai morrer, coitadinho! Por aí fora e, ah, também uma campainha. (...)
Texto de ANTÓNIO CABRAL
AQUELE S.JOÃO
O que ninguém viu, salvo uma senhora, e eu também não vi, ia lá ver essas coisas naquele tempo, foi aparecer um fantasma junto à cascata. Mas vamos por partes.
Na rua em que nasci acendiam-se lamparinas na noite de S.João. E também se deitava um balão, pelo menos. Era vê-lo a subir para as estrelas. E eu, ainda pirralho, pensava que as estrelas, sobretudo a lua, iam ficar contentes com a companhia e não lhes dava para caírem na rua em cima de nós. As lamparinas suspensas de meia dúzia de arames de vinha, altinhas para os carros de bois passarem por baixo, essas é que eram o meu encanto. Grisetas de azeite a bruxulearem no fundo dum copo de papel de seda, as lamparinas atraíam os olhos da pequenada que luziam com elas.
Luziam já uma semana antes. Lembro-me de ver o ti Manel e o ti Bento a enrolarem papel colorido, enquanto nós, os canalhitas, andávamos de casa em casa a pedir azeite e latinhas de pomada vazias. Algumas já as tínhamos nós, das que sobravam do Entrudo, ocasião em que púnhamos sobre as bombas de estouro, mal lhes acendíamos o rastilho: era vê-las desencabrestarem-se e saltarem aos telhados. (...)
Texto de ANTÓNIO CABRAL
quinta-feira, 30 de julho de 2009
O FIM DAS PALAVRAS
Foi num dia concreto como grãos de trigo que
tu chegaste ao fim das palavras e
partiste
eu era os rochedos em que as ondas vinham desfazer-se
tu o barco que navegava na planície azul
alguém havia um dia de dizer como
dois seres inventam o silêncio e o habitam nesse
preciso lugar onde as palavras nada significam e
é inútil falar de amor ou de amargura
nem adeus nos dissemos de nada valeria
no cais de qualquer vida se desprendem os
sentimentos de seus nomes
anónimos e livres seguimos cada
qual por seu caminho até as próprias pedras
palpitavam de medo e de suspeita
alguém havia um dia de dizer como
dois seres se introduzem na pura solidão
cercados de vazias palavras arbitrárias e do
bater pontual do coração.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
tu chegaste ao fim das palavras e
partiste
eu era os rochedos em que as ondas vinham desfazer-se
tu o barco que navegava na planície azul
alguém havia um dia de dizer como
dois seres inventam o silêncio e o habitam nesse
preciso lugar onde as palavras nada significam e
é inútil falar de amor ou de amargura
nem adeus nos dissemos de nada valeria
no cais de qualquer vida se desprendem os
sentimentos de seus nomes
anónimos e livres seguimos cada
qual por seu caminho até as próprias pedras
palpitavam de medo e de suspeita
alguém havia um dia de dizer como
dois seres se introduzem na pura solidão
cercados de vazias palavras arbitrárias e do
bater pontual do coração.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
quarta-feira, 29 de julho de 2009
CAMPOS DE SOL
Chega-se e logo se entra
na terra vazada de confissões,
como quando se abre um grande livro.
Assim são estes campos de sol
desde o tempo dos tempos
por onde Ariadne alonga
seus extensos cabelos:
teias de vinhas verdes, verdes
e sol às tranças.
Onde quer que se esteja,
retido nas margens
ou deslizando solto no rio,
o canto de Circe ressoa
dia e noite,
cativando o sentido,
adormecendo a memória.
Poema de JOAQUIM DE BARROS FERREIRA
na terra vazada de confissões,
como quando se abre um grande livro.
Assim são estes campos de sol
desde o tempo dos tempos
por onde Ariadne alonga
seus extensos cabelos:
teias de vinhas verdes, verdes
e sol às tranças.
Onde quer que se esteja,
retido nas margens
ou deslizando solto no rio,
o canto de Circe ressoa
dia e noite,
cativando o sentido,
adormecendo a memória.
Poema de JOAQUIM DE BARROS FERREIRA
terça-feira, 28 de julho de 2009
SEMPRE A ESFINGE
sempre a esfinge
finge
que se deixa desvendar
para que édipo não trema
diante do problema
a esplicar
sempre o cego arbítrio
há-de
obrigar édipo a matar o pai
(só no fim da tragédia
o pano cai)
Poema de CLÁUDIO LIMA
finge
que se deixa desvendar
para que édipo não trema
diante do problema
a esplicar
sempre o cego arbítrio
há-de
obrigar édipo a matar o pai
(só no fim da tragédia
o pano cai)
Poema de CLÁUDIO LIMA
A PERFEIÇÃO
A PERFEIÇÃO do imperfeito é um problema que a inteligência e os anjos terão de resolver. Os olhos não precisam de resolver nada, ao contemplarem a Torre de Pisa, a Vénus de Milo, as Capelas Imperfeitas da Batalha ou este bonito galho seco de giesta que a minha mulher pôs num jarrão, ao fundo das escadas.
Texto de ANTÓNIO CABRAL
segunda-feira, 27 de julho de 2009
FUTURO
Carros sem rodas,
Planando.
Mundo sem fome,
Pasmando.
Homens lutando
Pela pureza
Da Natureza destruída.
Ai Futuro!
Poema de ANTÓNIO FORTUNA
Planando.
Mundo sem fome,
Pasmando.
Homens lutando
Pela pureza
Da Natureza destruída.
Ai Futuro!
Poema de ANTÓNIO FORTUNA
sábado, 25 de julho de 2009
SETEMBRO
e tu que conheces o reino silencioso
das formas e dos gestos
serenamente a ti regressas da perplexidade
e sobre a areia lisa te deitas e recolhes
com as mãos postas
e os olhos rasos de esquecimento
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
das formas e dos gestos
serenamente a ti regressas da perplexidade
e sobre a areia lisa te deitas e recolhes
com as mãos postas
e os olhos rasos de esquecimento
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
quinta-feira, 23 de julho de 2009
quarta-feira, 22 de julho de 2009
BASÍLICA DA ESTRELA
porque é em setembro que as pálpebras caem
seguindo as folhas
aqui a tua última palavra se juntou a
não sei que pedra de lioz do frontão
nenhuma memória viu
apartar-se da minha a tua mão
e nos seguiu
apenas a sombra das torres volta
ao preciso lugar donde partiste.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
seguindo as folhas
aqui a tua última palavra se juntou a
não sei que pedra de lioz do frontão
nenhuma memória viu
apartar-se da minha a tua mão
e nos seguiu
apenas a sombra das torres volta
ao preciso lugar donde partiste.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
terça-feira, 21 de julho de 2009
MAS OS OLHOS DE PEDRA NÃO ESQUECEM
deixaste um perfume ou que outro nome darei ao
campo aberto da tua memória
deixaste um perfume em toda a parte ou
como dizer melhor que sou o
campo aberto da tua imagem
deixaste um perfume em tudo o que vejo a
agilidade de um aroma no ar que
não posso recusar por ser um
bicho de pulmões
e te recordo
como quem respira
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
(dedicado a Sophia de Mello Breyner Andresen)
campo aberto da tua memória
deixaste um perfume em toda a parte ou
como dizer melhor que sou o
campo aberto da tua imagem
deixaste um perfume em tudo o que vejo a
agilidade de um aroma no ar que
não posso recusar por ser um
bicho de pulmões
e te recordo
como quem respira
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
(dedicado a Sophia de Mello Breyner Andresen)
domingo, 19 de julho de 2009
HOJE NADA TE PROMETO
hoje nada te prometo
neste poema concreto vai
apenas um beijo o
desejo de
contigo correr entre os silvedos
colher amoras contar
com os dedos pelos
grãos de areia os anos a que faltam horas
horas guardadas nestas
conchas dobradas flores das
areias que
tens nas mãos cheias
fechadas
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
neste poema concreto vai
apenas um beijo o
desejo de
contigo correr entre os silvedos
colher amoras contar
com os dedos pelos
grãos de areia os anos a que faltam horas
horas guardadas nestas
conchas dobradas flores das
areias que
tens nas mãos cheias
fechadas
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
ÁVILA
em torno da vida uma muralha e um
pássaro de granito preso à boca da
solidão do corpo agrilhoado rouca a
sombra os ramos devora das árvores despidas
espesso se petrifica o silêncio emparedado
que certeza da terra nua aos olhos te levam os sentidos
nas lágrimas que choras e que
palavras demoras
adivinhada já nos meus ouvidos
látegos e cilícios as
veredas do amor nos abrirão e
a que encontro os
caminhos do corpo levarão
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
(dedicado a Santa Teresa de Ávila)
pássaro de granito preso à boca da
solidão do corpo agrilhoado rouca a
sombra os ramos devora das árvores despidas
espesso se petrifica o silêncio emparedado
que certeza da terra nua aos olhos te levam os sentidos
nas lágrimas que choras e que
palavras demoras
adivinhada já nos meus ouvidos
látegos e cilícios as
veredas do amor nos abrirão e
a que encontro os
caminhos do corpo levarão
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
(dedicado a Santa Teresa de Ávila)
quarta-feira, 15 de julho de 2009
SER E LER MIGUEL TORGA

(...)" A obra de Miguel Torga é progressivamente estruturada por três discursos ou níveis de sentido que evoluem através de fenómenos de divergência e de convergência numa suscitação dialética que põe a nu o movimento das elementares componentes dramáticas da natureza humana: o apelo da transcendência (discurso teológico), o fascínio telúrico (discurso cósmico) e o imperativo da liberdade (discurso sociológico)."
Ser e Ler Miguel Torga - FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
sexta-feira, 10 de julho de 2009
quinta-feira, 2 de julho de 2009
S.MIGUEL DE SEIDE
a minha cegueira avista a amargura verde
proibida de copiar
os relevos a cor e
a profunda calma do teu rosto
meu amor
veloz é a passagem da alegria e
lento o desespero
que a pressente diluída na distância
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
(dedicado a Camilo Castelo Branco)
proibida de copiar
os relevos a cor e
a profunda calma do teu rosto
meu amor
veloz é a passagem da alegria e
lento o desespero
que a pressente diluída na distância
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
(dedicado a Camilo Castelo Branco)
quarta-feira, 1 de julho de 2009
VIZNAR
E quando eu chegar ao fim das
minhas angústias e desejos e o
tempo se fechar e o sol se enfim puser
cobri-me com terra e ervas areia algumas
flores no meio de um caminho
que restem da memória que ficou
as pegadas casuais
breves e desiguais de
ali ter passado alguém que ainda não voltou.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
(dedicado a Frederico Garcia Lorca)
minhas angústias e desejos e o
tempo se fechar e o sol se enfim puser
cobri-me com terra e ervas areia algumas
flores no meio de um caminho
que restem da memória que ficou
as pegadas casuais
breves e desiguais de
ali ter passado alguém que ainda não voltou.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
(dedicado a Frederico Garcia Lorca)
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