terça-feira, 10 de novembro de 2009

Américo Lisboa Azevedo

Era desmedido e fortalecedor o amor que sempre me uniu ao meu tio-avô.
Nos seus cansados e magros braços sentia-me deliciosamente aconchegado e credulamente seguro. Era como se soubesse que, na sua meiga e constante presença, perigo algum me ameaçasse.
A sua terna voz, graciosamente enrouquecida por longas décadas de fumo e por mil fados mal embalados, traía-lhe as lágrimas que, muitas vezes, engolira, em sufocos absorvidos e abafados pelos cavernosos e surdos ruídos de outras tantas medonhas noites que o levaram a adoptar o comprido travesseiro como seu mais digno e fiel confidente, logo após uma viuvez madrugadora. Enviuvara antes ainda de ter cotiado os primeiros lençóis nupciais. Uma moléstia ainda sem baptismo e sem catalogação nos anais da ciência vitimara mortalmente a sua extremosa e desvelada esposa e minha tia-avó materna.
Tudo isto aconteceu em vésperas dos meus pais contraírem matrimónio.
- Coitado do tio Zé! Como se deve sentir sozinho naquela casa grande,- observava a minha mãe.
- Sim, por certo que estará a sofrer atrozmente, - aquiescia o meu pai.
(. . .)
AMÉRICO LISBOA AZEVEDO - CONTIGO APRENDO A CAMINHAR - Capa de ESPIGA PINTO

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