(...) Continua fazendo versos com uma impetuosidade intratável. A influência de Antero substituíra a de Casimiro de Abreu. Apresentado a um poeta da moda e cantor da Academia, violenta o seu pudor, dá-lhe alguns dos seus textos e recebe dele um apoio irrestrito. Era a primeira vez que via autenticada a sua vocação de poeta. (...) Em 1928, matricula-se na Faculdade de Medicina. ...Seriam as suas experiências de aluno de anatomia que modificariam definitivamente o tom dessa voz. A «paróxica» brutalidade emotiva da "Balada da Morgue" alarmaria as elites coimbrãs que, desde 1927, através da «bandeira libertária» da revista PRESENÇA reassumiam de uma forma original e fundibulária o modernismo português e europeu.O referido e famoso poema será justamente a sua primeira publicação nessa revista. Coimbra vivia, por essa altura, uma ébria efervescência do rigor da praxe, sendo que o passatempo nocturno favorito, como conta Branquinho da Fonseca na PORTA DE MINERVA,era matar gatos à mocada e assanhar os polícias, chamando-lhes cucos. Querendo-se «civil», Adolfo nunca foi um estudante «de capa e batina» e combatia a praxe de todas as maneiras. Por outro lado, alojado na república Estrela do Norte, cedo se desmarca das convicções dos restantes «nortenhos espadaúdos e aplicados» que aí vivem, «fiéis às versas e às fragas» a que «queriam regressar selvagens como tinham vindo, com o canudo na mão» e para os quais «tudo era concreto e linear».Aí, no entanto, pisa um chão firme e natural sobre o qual as tertúlias constantemente pareciam querer levitá-lo. O cariz anárquico e libertário do grupo presencista começou por ajustar-se às exigências da sua inquietação. Poucos e unidos, desafiavam a rotina, o conformismo e a retórica de Portugal inteiro, traumatizavam e escandalizavam a própria Academia que tentava isolá-los através de um autêntico bloqueio panfletário. Mas a audácia deles queria implantar raízes no que de mais sólido e intratável aportavam à tradição e à revolução literárias: Joyce, Chestov, Bergson, Dostoievsky e Fernão Mendes Pinto sentavam-se à sua mesa de café. O epicentro do abalo sísmico transladava-se do café para as «tabernas da boémia», sacudindo com a violência possível e impossível as «raízes da Coimbra petrificada». Numa palavra, queriam ser a «autenticidade dum Portugal local que desejavam tornar universal». Nas palavras de José Régio, «todos amávamos ou julgávamos amar a Arte: palavra que entre nós escrevíamos com A grande e A pequeno perante os que abusivamente a maiusculavam» (...)
In Ser e Ler Miguel Torga Fernão de Magalhães Gonçalves
A TARTARUGA é um projecto cultural e humanista, divulga e enobrece a língua e a cultura portuguesas.
Para Platão, a inspiração poética está ligada ao entusiasmo e à posse do sentido do divino.
Para Aristóteles, a poesia, qualquer que seja o seu objecto, heróica ou satírica, e a sua forma, dramática, lírica ou épica pertence às artes de imitação. Enraizada na natureza, a poesia é o lugar de uma verdade mais filosófica e universal do que a simples exactidão histórica.
Porque a história da nossa literatura o impõe e o seu objectivo final é levar aos leitores o registo escrito do pensamento e criatividade que brotam de fontes inesgotáveis aqui estamos, cada vez mais, mostrando a nossa língua no seu melhor e demonstrando que é uma língua viva comunicante, bela e com uma identidade inquestionável.
A essência da escrita é deliciar os leitores e os autores depois da execução lírica, captando cada instante com emoções e atraídos pela maravilhosa interpretação de palavras e imagens representadas e delineadas em cada página do livro.
"Demasiado Tarde, Felizmente"
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Continua fazendo versos com uma impetuosidade intratável. A influência de Antero substituíra a de Casimiro de Abreu. Apresentado a um poeta da moda e cantor da Academia, violenta o seu pudor, dá-lhe alguns dos seus textos e recebe dele um apoio irrestrito. Era a primeira vez que via autenticada a sua vocação de poeta. (...)
Em 1928, matricula-se na Faculdade de Medicina.
...Seriam as suas experiências de aluno de anatomia que modificariam definitivamente o tom dessa voz. A «paróxica» brutalidade emotiva da "Balada da Morgue" alarmaria as elites coimbrãs que, desde 1927, através da «bandeira libertária» da revista PRESENÇA reassumiam de uma forma original e fundibulária o modernismo português e europeu.O referido e famoso poema será justamente a sua primeira publicação nessa revista.
Coimbra vivia, por essa altura, uma ébria efervescência do rigor da praxe, sendo que o passatempo nocturno favorito, como conta Branquinho da Fonseca na PORTA DE MINERVA,era matar gatos à mocada e assanhar os polícias, chamando-lhes cucos. Querendo-se «civil», Adolfo nunca foi um estudante «de capa e batina» e combatia a praxe de todas as maneiras.
Por outro lado, alojado na república Estrela do Norte, cedo se desmarca das convicções dos restantes «nortenhos espadaúdos e aplicados» que aí vivem, «fiéis às versas e às fragas» a que «queriam regressar selvagens como tinham vindo, com o canudo na mão» e para os quais «tudo era concreto e linear».Aí, no entanto, pisa um chão firme e natural sobre o qual as tertúlias constantemente pareciam querer levitá-lo.
O cariz anárquico e libertário do grupo presencista começou por ajustar-se às exigências da sua inquietação.
Poucos e unidos, desafiavam a rotina, o conformismo e a retórica de Portugal inteiro, traumatizavam e escandalizavam a própria Academia que tentava isolá-los através de um autêntico bloqueio panfletário.
Mas a audácia deles queria implantar raízes no que de mais sólido e intratável aportavam à tradição e à revolução literárias: Joyce, Chestov, Bergson, Dostoievsky e Fernão Mendes Pinto sentavam-se à sua mesa de café.
O epicentro do abalo sísmico transladava-se do café para as «tabernas da boémia», sacudindo com a violência possível e impossível as «raízes da Coimbra petrificada». Numa palavra, queriam ser a «autenticidade dum Portugal local que desejavam tornar universal». Nas palavras de José Régio, «todos amávamos ou julgávamos amar a Arte: palavra que entre nós escrevíamos com A grande e A pequeno perante os que abusivamente a maiusculavam» (...)
In Ser e Ler Miguel Torga
Fernão de Magalhães Gonçalves