quinta-feira, 25 de abril de 2024

A Turista de ABRIL, de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES



A TURISTA DE ABRIL


Era ela.


ia em camisa descalça

e ninguém mais a sentiu.

não olhava

nem levava nada

era ela

partiu de madrugada.


andou por aí estes dias

cabisbaixa e calada.

trazia

pão num saco

e pedia

cenouras e laranjas no mercado.

como tinha um buraco no vestido e

não se penteava diziam

que era turista

ou artista do Reino Unido

não sabiam.


tinha na boca o lume inumerável de uma papoula

da Turquia ou da Tailândia

e nos dentes toda a neve da Sibéria ou da Finlândia.

ao pisar era crioula

e no bronze dos ombros

menina

latina

ou africana.

flor de tremoço da Califórnia seus olhos de Hera

e a cigana

de Granada

ali à espera

ao ler-lhe a sina

não leu nada.


andava meio nua

deu aos ombros ao polícia

que nem lhe arrancou o nome.

- "deitas as cascas na rua

vai à merda"

disse o guarda

"mata a fome

mas não sujes a cidade

a multa são dois mil paus

que puta de liberdade".


era ela.


dormia nos

degraus das primeiras escadas que

alguém lhe consentia.


era ela.


- "já foi à fava"

disse o guarda que a via

da janela

para os botões da farda.


Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES

Livro - MEMÓRIA IMPERFEITA



 

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