MIGUEL TORGA
Toda a vida humana é uma história da infância. Biografia significa muito o gráfico de uma vida. E a biografia de Miguel Torga (pseudónimo de Adolfo Correia Rocha) conta-se em poucas linhas.
Autor de mais de cinquenta obras de poesia, prosa e teatro publicadas desde os 21 anos, nasceu em 1907, a 12 de Agosto, dia de Santa Clara no calendário romano então vigente, em S. Martinho de Anta, Trás-os-Montes, e é do signo do Leão.
Proveniente de uma família de condição humilde, teve uma infância rural, rigorosamente primitiva e possivelmente feliz. Enredada de desacertos e desencontros, a sua adolescência foi precocemente dura e brutal, humilhante, permanentemente instável. A necessidade de sobrevivência económica leva-o, depois de ser criado de servir no Porto e de uma breve passagem pelo seminário de Lamego, a embarcar para o Brasil, aos 13 anos, onde foi capinador, apanhador de café, vaqueiro e caçador de cobras, na Fazenda de Santa Cruz (Banco Verde), Estado de Minas Gerais.
Regressado, cinco anos depois, a Portugal - licencia-se em Medicina na Universidade de Coimbra, cidade onde se estabelece definitivamente, desde 1941, como otorrinolaringologista.
Na juventude, publicou os primeiros livros, conheceu por isso a prisão, foi conspirador e panfletário. Depois, amadureceu sem perder nenhuma das suas virtudes naturais e, perante a escolha das acções possíveis, só encaminhou os gestos para aquelas onde a liberdade se anunciava ou prometia. Homem de um perfil temperamentalmente imperativo, sibilino e paciente, tem nos modos e no carácter o jeito da dignidade rural que o investiu, a imagem feita dos sinais de uma linguagem mais próxima dos animais e das ervas que dos homens e dos deuses. A sua lei de selecção existencial foi sempre a mesma. Procurou ser livre, mais propriamente do que feliz. O resto foram as vicissitudes do quotidiano. Um quotidiano sem parábolas.
Justamente, com Miguel Torga não é a literatura que chega à literatura. É uma força natural, indomada, selvagem, necessitada de tomar forma através dela.
Inicialmente identificado com os mentores do Segundo Modernismo português que a publicação da revista Presença (1927-1940) agrupava em Coimbra, - acaba por romper com os mesmos em 1930, continuando um trajecto literário que diríamos exoticamente genuíno e criativo para o seu tempo, verdadeiramente inconfundível, caracterizado por um realismo de sentido individualizante, de feição violenta e vitalista, socialmente responsabilizado e responsabilizador.
A sua endógena e universalizadora fidelidade às origens ancestrais, a irredutível resistência libertária de franco-atirador que o opôs às ditaduras que se instalaram ou tentaram instalar-se no seu país, a transparência vernacular e empática da sua linguagem - transformaram Miguel Torga, através do consenso dos seus contemporâneos, numa autêntica consciência nacional, indisfarçável protótipo do cidadão português de sempre.
FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
SER E LER MIGUEL TORGA
Prefácio de ANTÓNIO CABRAL
Desenho de Miguel Torga, no interior, do Pintor LANHAS
Capa - Reprodução de Torga/Erica Arborea - Gravura de 1601
Grande Livro !
ResponderEliminar..".Sabemos que o melhor lugar onde um autor vive e a partir do qual se projecta em nós é a sua obra, ou antes, os seus textos. E o que às vezes se esquece é que a construção do discurso em torno deles só tem pleno sentido se ele conseguir levar o leitor a esse lugar. Caso contrário, exercita-se a incomunicação ".
F.M.G.- In Ser e Ler Torga