Neste Julho de sol crescente em que até as pedras se convertem em frigideiras gosto de ir até ao quintal e sentar-me à entrada do alpendre, sob a ramada. - Olhe que as plantas, desde uma ervinha a uma videira, têm a sua parte d'alma; ora veja se consegue notar; às vezes, só de estarmos ao pé delas, começam a mexer-se como se lhes desse um ventinho - dissera-me já o ti Quim. Por que será que a corriola, ou tangibraça como aqui mais se diz, sobe aos abraços por aquela cepa?
Pus-me a fitar a ramada. Concentrei-me. Primeiro fechei os olhos. Depois abri-os e assim fiquei por longo tempo, como se decorressem três, trinta, trezentos anos; as folhas buliam, ouvia-lhes um murmúrio. Até que senti que algo se enchia de tempo, começando já a transbordar. Levantei-me da cadeira de lona e descobri num cacho de moscatel um bago completamente maduro, já tinto, retinto. Colhi-o. Saboreei. O ti Quim tinha razão. Vou-lhe contar o sucedido. A menos que...
A TARTARUGA é um projecto cultural e humanista, divulga e enobrece a língua e a cultura portuguesas.
Para Platão, a inspiração poética está ligada ao entusiasmo e à posse do sentido do divino.
Para Aristóteles, a poesia, qualquer que seja o seu objecto, heróica ou satírica, e a sua forma, dramática, lírica ou épica pertence às artes de imitação. Enraizada na natureza, a poesia é o lugar de uma verdade mais filosófica e universal do que a simples exactidão histórica.
Porque a história da nossa literatura o impõe e o seu objectivo final é levar aos leitores o registo escrito do pensamento e criatividade que brotam de fontes inesgotáveis aqui estamos, cada vez mais, mostrando a nossa língua no seu melhor e demonstrando que é uma língua viva comunicante, bela e com uma identidade inquestionável.
A essência da escrita é deliciar os leitores e os autores depois da execução lírica, captando cada instante com emoções e atraídos pela maravilhosa interpretação de palavras e imagens representadas e delineadas em cada página do livro.
SOL CRESCENTE
ResponderEliminarNeste Julho de sol crescente em que até as pedras se convertem em frigideiras gosto de ir até ao quintal e sentar-me à entrada do alpendre, sob a ramada. - Olhe que as plantas, desde uma ervinha a uma videira, têm a sua parte d'alma; ora veja se consegue notar; às vezes, só de estarmos ao pé delas, começam a mexer-se como se lhes desse um ventinho - dissera-me já o ti Quim. Por que será que a corriola, ou tangibraça como aqui mais se diz, sobe aos abraços por aquela cepa?
Pus-me a fitar a ramada. Concentrei-me. Primeiro fechei os olhos. Depois abri-os e assim fiquei por longo tempo, como se decorressem três, trinta, trezentos anos; as folhas buliam, ouvia-lhes um murmúrio. Até que senti que algo se enchia de tempo, começando já a transbordar.
Levantei-me da cadeira de lona e descobri num cacho de moscatel um bago completamente maduro, já tinto, retinto. Colhi-o. Saboreei. O ti Quim tinha razão. Vou-lhe contar o sucedido. A menos que...
ANTÓNIO CABRAL In O Rio Que Perdeu as Margens
mg