A TURISTA DE ABRIL
Era ela.
ia em camisa descalça
e ninguém mais a sentiu.
não olhava
nem levava nada
era ela
partiu de madrugada.
andou por aí estes dias
cabisbaixa e calada.
trazia
pão num saco
e pedia
cenouras e laranjas no mercado.
como tinha um buraco no vestido e
não se penteava diziam
que era turista
ou artista do Reino Unido
não sabiam.
tinha na boca o lume inumerável de uma papoula
da Turquia ou da Tailândia
e nos dentes toda a neve da Sibéria ou da Finlândia.
ao pisar era crioula
e no bronze dos ombros
menina
latina
ou africana.
flor de tremoço da Califórnia seus olhos de Hera
e a cigana
de Granada
ali à espera
ao ler-lhe a sina
não leu nada.
andava meio nua
deu aos ombros ao polícia
que nem lhe arrancou o nome.
- "deitas as cascas na rua
vai à merda"
disse o guarda
"mata a fome
mas não sujes a cidade
a multa são dois mil paus
que puta de liberdade".
era ela.
dormia nos
degraus das primeiras escadas que
alguém lhe consentia.
era ela.
-"já foi à fava"
disse o guarda que a via
da janela
para os botões da farda.
Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
Livro MEMÓRIA IMPERFEITA
Tão a propósito este poema. Premonitório e belo...
ResponderEliminarSempre a grande sensibilidade e inteligência do grande Autor!