quarta-feira, 25 de abril de 2012

FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES

A TURISTA DE ABRIL

Era ela.

ia em camisa descalça
e ninguém mais a sentiu.
não olhava
nem levava nada
era ela
partiu de madrugada.

andou por aí estes dias
cabisbaixa e calada.
trazia
pão num saco
e pedia
cenouras e laranjas no mercado.
como tinha um buraco no vestido e
não se penteava diziam
que era turista
ou artista do Reino Unido
não sabiam.

tinha na boca o lume inumerável de uma papoula
da Turquia ou da Tailândia
e nos dentes toda a neve da Sibéria ou da Finlândia.
ao pisar era crioula
e no bronze dos ombros
menina
latina
ou africana.
flor de tremoço da Califórnia seus olhos de Hera
e a cigana
de Granada
ali à espera
ao ler-lhe a sina
não leu nada.

andava meio nua
deu aos ombros ao polícia
que nem lhe arrancou o nome.
- "deitas as cascas na rua
vai à merda"
disse o guarda
"mata a fome
mas não sujes a cidade
a multa são dois mil paus
que puta de liberdade".

era ela.

dormia nos
degraus das primeiras escadas que
alguém lhe consentia.

era ela.

-"já foi à fava"
disse o guarda que a via
da janela
para os botões da farda.

Poema de FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
Livro MEMÓRIA IMPERFEITA

1 comentário:

  1. Tão a propósito este poema. Premonitório e belo...
    Sempre a grande sensibilidade e inteligência do grande Autor!

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