sábado, 10 de fevereiro de 2024
"O Sabor do AMOR" - texto crítico do Poeta CLÁUDIO LIMA
O Sabor do AMOR - Novo livro, de Manuela Morais - Cláudio Lima - Chegado ao fim da
leitura deste livro, várias, complexas e divergentes reflexões se instalam na
minha mente e na minha sensibilidade. Acabo de ler um romance, como consta da
catalogação na ficha técnica, com todos os ingredientes que tal género implica
de jogo, ficção, artefacto/artifício literários? Ou, ao invés, à exposição
autêntica e explícita de uma experiência amorosa de dois seres “de carne e
osso”, mas também de grande densidade espiritual, que o destino ou a intervenção
sobrenatural fizeram coincidir e consubstanciar uma união de perfeita harmonia e
mútua felicidade? As perguntas são razoáveis e pertinentes. É que, desde as
páginas iniciais, em que o leitor se depara com um lento e prudente ritual de
encantamento e sedução próprios de uma aproximação amorosa, até às derradeiras,
em que a inevitável e dolorosa separação imposta pelas leis inexoráveis da
natureza põe fim a um registo conjugal venturoso, daqueles que, segundo a feliz
inspiração de Vinícius de Moraes no Soneto de fidelidade, inserto no livro
Poemas, Sonetos e Baladas (1946), sendo feridos de contingência e
transitoriedade, aspirem a “ser infinitos enquanto durem”. São dois amantes bem
identificados; duas personalidades notáveis da nossa sociedade
artístico-cultural de finais do século XX e primeira década do século corrente.
Dão pelos nomes de José (Manuel) Espiga Pinto, consagrado pintor-escultor e de
Manuela (Maria Alves) Morais, dinâmica fundadora e gestora das edições
Tartaruga, (atualmente com mais de cem títulos em catálogo) e escritora
emergente em várias modalidades e crescente reconhecimento público. A natural
atração que entre ambos o magnetismo cósmico operou, num fluxo alquímico e numa
ágape de sublimação, conduziu-os à mútua aceitação num enlace conjugal sem
reservas nem acidentes. Viveram essa experiência no limite da paixão partilhada
e da bem-aventurança existencial desde março de 2000 a outubro de 2014, quando
ocorre a morte de Espiga. É essa partilhada e harmoniosa vivência, mas também a
dolorosa e definitiva ausência delas, o que estas páginas sentidamente expõem,
num registo que, não obstante a profunda saudade subsistente, enfatiza sobretudo
o lado bom, sem rotinas, tibiezas ou amuos de «duas personagens principais desta
sólida e marcante história amorosa de uma simplicidade elegante» (p.21); «É
necessário acender, diariamente, as lâmpadas da paixão. Namorar sem limites,
sentir o desejo irresistível de abraçar, transformar as encruzilhadas em
caminhos desimpedidos. E caminhar de mãos dadas, sinais inequívocos da
intimidade apaixonada e esperançosa…» (p.214). A situar espácio-temporalmente
esta como que cartografia de sonhos e emoções, a Autora evoca felizes viagens,
por terras portuguesas e estrangeiras, favoráveis ao permanente enleio e à
constante surpresa que as paisagens naturais, a monumentalidade dos edifícios e
monumentos urbanos e, acima de tudo, a hospitalidade e bonomia das populações
deveras os sensibilizam. Apreciadores e conhecedores das artes plásticas e
arquitetónicas, palmilham grandes artérias e fascinantes jardins, perdem
(ganham) horas no interior de catedrais, museus, bibliotecas etc., num clima de
puro embevecimento e fascínio. Culturas, credos, costumes, idiossincrasias, -
tudo observam e absorvem por grande parte desta velha Europa de tantos
cruzamentos civilizacionais e tantas maravilhas artísticas que desafiam tempos e
modos do devir histórico. Outro aspeto relevante desta obra, que importa
referir, diz respeito ao recurso frequente às filosofias e ciências ditas
ocultista, que ambos os cônjuges estudam e consideram de fundamental importância
na condução da sua personalidade e do seu relacionamento. «Na demanda essencial
da purificação interior.» (Alexander Roob, Alquimia e Misticismo, Livros
Taschen, 2014). Muitas são as palavras e expressões em que essa corrente aflora
ao longo do texto: inconsciente cósmico (p.19), consciência cósmica (pp.212 e
216), geometria sagrada (p.22), totalidade do Universo (p.24), sintonia
alquímica (p.38) campos energéticos (p.46), energias vibratórias (pp.152 e 168)
e outras similares e afins. Provavelmente, receberam influência nesse interesse
gnosiológico-exotérico de duas destacadas figuras especialistas em tal ramo do
saber, além de amigos pessoais do casal: António Telmo e Carlos Aurélio. De
ambos a editora Tartaruga publicou obras: Contos Secretos (2007) e o ensaio
Considerando os Filósofos (2008), respetivamente. Para a personagem Maria do
Rosário, aliás Manuela Morais, José Manuel Espiga Pinto é o Príncipe, assim
nomeado ao longo de todas estas 220 páginas, induzindo perpassar por elas o
mavioso rumor e o doce perfume de um conto de fadas. E, sim, podemos fazer essa
leitura, tal a veemência, a temperatura e o envolvimento que nos é dado
testemunhar. «O amor nasceu depois de uma amizade verdadeira e de uma
cumplicidade arrebatadora; cresceu e tornou-se ilimitado, infinito, infalível…»
(p.37) e «O amor é o único farol da Vida que nos faz irradiar a verdadeira Luz…»
(p.78). Uma leitura aliciante e envolvente. Talvez o melhor livro até agora
publicado pela Autora. Janeiro / 2024
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