quinta-feira, 16 de março de 2017

Aniversário de ESPIGA Pinto





José Manuel ESPIGA Pinto

Vila Viçosa - 16 - 03 - 1940
Porto - 01 - 10 - 2014



Texto publicado no Catálogo da Exposição de Pintura e Escultura - Memórias de Inês, de Espiga Pinto, em Julho de 2001.


Espiga e Inês de Castro

Ainda era menino quando chegou à pintura. Homem determinado e invulgar, pinta como quem beija. Entrega-se total e perdidamente.
Do Alentejo, onde nasceu, revelador de uma intuição e sensibilidade apuradíssimas, vem afirmando a solidez e singularidade de um percurso que começa e termina na busca e apreensão dos possíveis sentidos da existência.

Memórias de Inês é uma belíssima temática que fixa as trágicas vicissitudes de uma das mais belas e comoventes histórias de amor da Idade Média, aqui contada (cantada) por este ilustre Pintor com rigorosa fidelidade à sua memória e grandeza, dando-nos, assim, a exacta dimensão cultural e humana da histórico-lendária personagem. Seguramente que estas peças vão suscitar ou sublinhar pontos de reflexão sobre a especificidade do tema.
O amor, símbolo de continuidade e regeneração, adquire nesta sequência pictórica o seu verdadeiro significado, ou não fosse ele o mais profundo e distintivo elan da humanidade. Aqui, se sente a sua pulsação, em perpétuo movimento regenerador e em variações cromáticas sintonizadas, numa articulação harmoniosa e contínua entre a Terra e o Universo.

O tempo reflecte-se na obra de Espiga, sobretudo na medida em que resiste ao seu poder envolvente, em que lhe opõe uma linguagem pictórica deslumbrante e corajosamente assumida. A memória revela-se essencial para a lenta penetração no imaginário de deuses e anjos. . .
Inês personifica a heroína trágica de um dos mais célebres episódios amorosos do Ocidente, se não de toda a história da humanidade, sobrelevando em paixão, fatalidade e dramaticidade outros casos similares, como os de Abelardo e Heloísa ou Dante e Beatriz. A pele de Inês é de uma perfumada e acetinada suavidade. Espiga decora a cor de seus olhos; contorna, sem ruído, a doçura de seu corpo.
Falamos dos períodos claros, iluminados. Mas falamos também dos períodos ocultos dessa mesma juventude, de certas dissimulações operadas sobre certos factos, certos sentimentos. Tudo é arrastado pela tempestade profunda e vertiginosa da corrente interior; tudo fica suspenso à superfície, qual força impetuosa de um rio.
Estamos perante mais uma obra-prima de um dos mais geniais (não tenhamos medo das palavras) mestres da pintura portuguesa contemporânea. A espantosa força lírica e formal da sua pintura exponencia um potencial absoluto de ritmo, cor, rigor, encantamento; de atractivo e fascínio.
A pintura é para ser fruída; para partilhar a criatividade, esse genesíaco exercício de interioridade, tendo por instrumentos as fibras da sensibilidade e a espora mágica da memória. Instrumentos que, pela mão predestinada do artista, reanimam a figura grácil e desventurada daquela que, no dizer do poeta, depois de morta foi rainha.
Espiga fascina-nos com toda esta sublime grandeza: o mito, a obsessão de Inês nos sonhos de Pedro, o brasão, o ambiente gótico e a chave. A chave de toda esta maravilha move-se na rigorosa e complexa teia geométrica do Pintor.

                                                                    Manuela Morais
                                               in Três Rios Abraçam o Coração




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