quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

O Sabor do AMOR - Crítica Literária da Dra. Júlia Reis Serra.

O Sabor do Amor, de Manuela Morais. - Manuela Morais surpreende-nos com um novo livro intitulado O Sabor do Amor que a própria autora designa de romance, na Sinfonia de Abertura: “O Príncipe é a personagem principal deste romance resgatado dos escombros sombrios e agrestes, e que criou espantosas, profundas, novas, e belas raízes” (p.13). O título resulta de sensação gustativa “sabor” aliada a um sentimento “Amor”, uma espécie de sinestesia que transmite uma aliança entre o sensorial e o alquímico. A personagem que se junta ao Príncipe, Maria do Rosário, não exerce um papel secundário, pois ambos formam um todo, representado no Yin e Yang que, sendo contrários, nunca se opõem de forma absoluta, porque entre eles há mutação e continuidade. Existe um simbolismo muito forte na expressão do círculo dividido em duas metades iguais: uma branca (Yang) e outra preta (Yin). O nome Maria do Rosário contém em si um halo divino (Maria) e Rosário exprime também sacralidade, sobretudo nas regiões do Extremo Oriente, – o rosário era feito de flores ou de outros materiais mais raros e era oferecido para homenagear alguém. Assim, este livro é uma homenagem a José Manuel Espiga Pinto. Ao longo da obra, que pela sua estrutura física é romance – extensão de 226 páginas com 24 capítulos –, a nível de conteúdo, é uma bela história de amor que durou cerca de quinze anos, até ao momento da partida do Príncipe. E neste espaço-tempo de vivência, houve rosas, aromas, beijos e abraços, felicidade incontida em que Maria do Rosário não se cansa de evocar e preitear o mundo que o Príncipe lhe ofereceu, após doze anos de solidão que ela vivera, depois de ter perdido o primeiro marido. Ela, que acreditara no primeiro amor, nunca imaginou uma segunda paixão tão fulgurante na companhia do seu Príncipe; no entanto, a aproximação entre ambos foi lenta e as comunicações eram feitas pelo telefone ou escritas, sem se conhecerem presencialmente. Já conhecedora da magia da paixão e do amor, ia acendendo a luz cautelosamente, esperando uma força transcendente para lhe indicar o caminho. Assim aconteceu. No episódio, em que a vendedora do quiosque entregou a Maria do Rosário um quadro, houve uma iluminação premonitória que a conduziu à figura do Príncipe e que os leitores julgarão de acordo com os sentimentos de cada um. De localidades diferentes: o Príncipe alentejano e a Maria do Rosário transmontana, ambos tinham em comum uma admiração pela arte e esta veia artística prendia-os num abraço ascético e amoroso, juntando o profano ao divino. Desta simbiose de interesses, o Amor ia crescendo e o par preparou-se para se transformar em casal, com a celebração do casamento. Foi uma cerimónia simples, na capela de um Convento, com assento, na presença dos padrinhos e testemunhas: “Inicialmente o Príncipe achou o casamento triste. Com o passar do tempo percebeu que Maria do Rosário tinha toda a razão…, e se teve…, os seguimentos dos trágicos acontecimentos cumpriram, na perfeição, a profecia da noiva” (p.95). Todos os pormenores da indumentária e dos sentimentos estão muito bem estampados neste capítulo. O Príncipe era uma Estrela no campo das Artes e Maria do Rosário acompanhava-o nas digressões pelo mundo, onde contactavam com outros pintores e escultores citando, assim, espaços, cidades, e artistas de várias nacionalidades com quem privaram e sobre eles teciam apreciações sobre o Expressionismo, a Pintura Figurativa, o Impressionismo, os planos e construções geométricas adotados por cada um e, entre conversas eivadas de cultura, surgiam grandiosos momentos de cumplicidade durante os jantares ou lanches. Desde o Alentejo, focando essencialmente Vila Viçosa, Elvas, Beja e Évora, onde tinham amigos, até ao Norte de Portugal , mesmo na fronteira de Bragança e nas aldeias de Rio de Onor, o casal não se cansava em traçar as diferenças e semelhanças na gastronomia e nas paisagens – caso das queijadas de Murça e as tibornas de Vila Viçosa (doçaria) e o contraste paisagístico entre a montanha e a planície alentejana. Depois, os artistas amigos: no Alentejo, Carlos Aurélio e António Telmo; em Chaves, o grande Pintor Nadir Afonso. São personagens que entram no romance, ajudam a consolidar as mundividências do casal e a demarcar as várias regiões que entram na tessitura romanceada da obra. O profano e o religioso figuram também nestas páginas, citando Capelas, Monumentos e Santos que ambos adoravam: Maria do Rosário (A Anja, como o Príncipe lhe chamava) relembrou a sua infância, a procissão em honra de Nossa Senhora do Naso e o casal visitava, então, Miranda do Douro, a Sé e o Menino Jesus da Cartolinha, apreciava as Gaitas de Foles e o dialeto Mirandês. De Portugal ao estrangeiro são muitas as descrições de lugares e centros culturais evocados pela narradora omnisciente e omnipresente. Para além do tempo, personagens e espaços patrimoniais citados, há ainda referências históricas – caso do Mosteiro de Alcobaça e a lenda de Pedro e Inês – bibliotecas (Biblioteca Nacional do Palácio de Mafra), marcos da História (Olivença) e da Literatura através da evocação de Camilo Castelo Branco e Vilarinho de Samardã. Mas, a enfatizar toda esta moldura artística, está a fonte do Amor e as variações explanadas sobre tão forte sentimento que a narradora soube exprimir , na assunção de coprotagonista da história: “Cada dia , Maria do Rosário sentia mais que ali era o seu lugar, ao lado do seu amor, e de desfrutar da companhia de um fantástico humanista, com uma premonição, intuição e telepatia avançadíssimas.”(p.86). Neste espaço de expurgação de sentimentos havia um desejo de transformação do finito em infinito, uma procura incessante da quinta-essência para uma aproximação com Deus. Escreveu a autora: “O amor é, sem dúvida, o único caminho para se trilhar e brindar à nossa existência como Seres caminhantes e eternos! O amor é o verdadeiro caminho da passagem na nossa Vida de Seres Cósmicos.” (p.22). Platão e Aristóteles debruçaram-se muito sobre a cosmologia e a cosmogonia e a influência destas filosofias na explicação dos Seres, contribuindo para a desocultação de algumas dúvidas sobre a vida neste planeta e o início de outra viagem no universo. Em O Sabor do Amor assistimos ao renascer do Amor entre dois amantes, à plenitude da sua vida amorosa e à partida da personagem principal – O Príncipe – para iniciar a sua viagem no cosmos. Pode dizer-se que é a sinfonia do Amor que opera a ligação entre o Céu e a Terra. Maria do Rosário, contemplando as rosas que ficaram, vai proferindo: “são rosas, meu amor”! Júlia Serra